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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

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O primeiro jogador de futebol que detestei, pelo que fez a Eusébio nos confrontos do Mundial de 1966 e da Taça dos Campeões, chamava-se Nobby Stiles: tinha perdido os incisivos num choque violento e jogava sem eles para acentuar o padrão de defesa carniceiro, um adjectivo aceitável na linguagem futebolística de há 50 anos. Na realidade, Stiles era muito bom, um dos 100 maiores da história do futebol inglês do século XX, e uma pessoa afectuosa, a quem Gary Lineker fez um memorável epitáfio: “tinha um coração muito maior do que o espaço em vão na sua dentadura”.
Detestado pelos portugueses e pelos benfiquistas, era adorado pelos adeptos do Manchester United e da selecção inglesa. Nobby Stiles é a figura que sempre me ocorre quando me deparo com esse dilema intricado de reconhecer o mérito, às vezes até a excelência, de jogadores entre o sublime e o miserável, com talento mas sem ética desportiva.
Como Otávio, o líder atual do FC Porto, adorado pelos portistas e detestado pelos outros portugueses, quando se aproxima a lista final da FEMACOSA para o Mundial do Catar.
Há um bom par de anos, quando tinha o privilégio de falar de futebol regularmente num canal de televisão, despontava o então jovem brasileiro no Vitória, por empréstimo do Porto, vaticinei que poderia chegar à selecção brasileira - heresia que arrancou gargalhadas aos outros comentadores de circunstância, entre eles um amigo portista.
É verdade que Otávio não chegou ao “escrete” devido à baixa visibilidade internacional do seu clube, mas ganhou o direito a alinhar por Portugal, depois de ter obtido a cidadania. Porque, como português, é realmente um dos melhores futebolistas da actualidade, o mais bem pago de sempre e uma figura central do campeonato, umas vezes magnífico, outras canalha, um pequeno tirano digno do nome original do fundador do Império Romano.
Tal como o filho adoptivo de César, este Otávio adoptado pela cúria portista singrou na vida como um legionário indomável, sanguinário com os adversários, seguido sem reservas pelas suas falanges, à conquista de batalhas e alargando horizontes futebolísticos como o outro, há dois mil anos, anexava povos e territórios, da Lusitânia ao resto do Mundo.
Ao mudar de nacionalidade, Otávio também imitou o imperador que mudou de nome, chamando-se a si mesmo de Augusto, para ocupar um lugar distinto na História. Mas é neste ponto que divergem: o Otávio luso-brasileiro nunca será augusto, muito menos alargará a sua influência de forma majestosa e venerada.
Pelo contrário, é fácil antever que a sua nomeação para o Mundial do Catar será fracturante e repudiada por uma larga faixa de adeptos, talvez a maioria, atirando para cima da equipa ainda mais polémica e desconcentração.
Em contraste com Nobby Stiles, na nossa selecção, Otávio seguramente arreganhará os dentes, mas sem sentimento no coração.
 
FOTO maisfutebol.pt