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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

EFABLAÇÃO (19)

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Diz-me o que invejas, dir-te-ei que espécie de Putin és.

Vivemos na era em que o exercício do poder - seja pela invasão de propriedade seja pela imposição da vontade de quem manda, devidamente legitimado por eleições e éticas republicanas - deriva invariavelmente para o totalitarismo.

Esta semana ouvi o diretor executivo da Liga Portugal declarar que a centralização dos direitos de televisão é um caso encerrado, cabendo à sua organização e à Federação tomarem conta da propriedade “devoluta” dos gigantes e distribui-la em tranches democráticas pelos pigmeus a fim de poderem todos viver felizes e competitivos.

A fórmula de distribuição milagrosa para cumprir o princípio de que ninguém ficará a perder é um mistério guardado nos gabinetes destes génios das quadraturas circulares que nasceram com o desígnio divino de por e dispor da vida dos outros. Intitulam-se democratas, porque terão ganho uma eleição em algum ponto dos seus percursos de tiranetes.

Tiago Madureira diz que a centralização não será feita à Robin dos Bosques, tirando aos ricos para dar aos pobres, uma vez que prevê um aumento de receitas globais, completamente irrealista, e que todos ficarão a ganhar. Este pensamento é extraordinário: numa actividade em que 15 por cento dos clubes detém 95 do mercado, que espécie de distribuição poderá ser feita sem que os grandes abdiquem de parte significativa das suas parcelas para salvar os pequenos? Só por solidariedade benemérita, uma espécie de “fair play” à força, completamente oposta aos princípios da competitividade desportiva e impaginável com a ética do desporto profissional, se pode conceber uma solução para este capricho de dirigentes cavalgando o poder das bases, como aprendizes de Infantinos. Não tarda estarão a decretar a proibição de ganhar por mais de dois golos de diferença ou a castigar com substituição forçada à Guardiola qualquer jogador que se arme em Earling Haaland a humilhar os mais desfavorecidos do talento.

Na perspectiva destes dirigentes há uma audiência excessiva de determinados clubes que devia ser encaminhada para os que a têm defeituosa - transferir as enchentes de entusiasmo da Luz para os velórios semanais das bancadas vazias do resto do país, cortar a largura de banda dos jogos do Benfica e colá-la ao “streaming” capilar do Portimonense.  

Em nome da felicidade geral, um mirífico bem maior, nada como usurpar para resolver. Falta-nos o mar do sul, invade-se a Crimeia. Os impostos não cobrem uma velhice à francesa, sobe-se a idade das reformas. Não temos assoalhadas que cheguem, ocupa-se as do vizinho. O navio mete água, afoga-se a guarnição. Faltam-nos brioches, comemo-vos os papo-secos.

Seja qual for a fórmula de repartição de direitos televisivos em Portugal, o Benfica ficará sempre a perder e parece-me uma estratégia completamente errada tentar iludir e rodear esta condicionante, ao mesmo tempo que se protege e incentiva a “guerra dos cachecóis” que consiste em tentar esconder nas bancadas tingidas de vermelho a esmagadora popularidade do clube que nasceu pequeno, como qualquer outro, numa farmácia de Belém.

Enquanto não mexe uma palha pela melhoria do jogo, dos espectáculos, da verdade desportiva e com o país a descer no ranking europeu, preso pelos arames das conquistas pontuais dos mesmos de sempre, a Liga diz que serão os clubes a decidir a fórmula de distribuição, que será a maioria dos pequenos a decretar o tamanho das fatias dos grandes. Uma espécie de reforma agrária dos relvados, uns “direitos” assentes no ódio pelo sucesso alheio e na vertigem do enriquecimento súbito, que, como a História nos ensina, não deixará de descambar, por fim, em pobreza maior.

 

Foto record.pt