O jornalismo do cidadão e as fake news
Sempre fui céptico do chamado “jornalismo do cidadão” que tanto entusiasmou os editores na última década, incapazes de detectar na natureza humana o perigo da disseminação da mentira, mesmo involuntária, a que hoje pomposamente damos o nome de “fake news”.
As pessoas, pessoas normais sem formação jornalística, vertem para as redes sociais com a mesma falta de rigor com que dissertam à mesa do café e ainda chamam aldrabões aos jornalistas.
Isto para contar uma história curiosa que acabo de ler num blogue em que alguém tentava justificar a falta de confiança incondicional no novo presidente do Sporting: “Nem ao saudoso Presidente João Rocha eu dei o meu Incondicional apoio. Lembro que foi ele que me fez voltar as costas ao clube durante 2 anos por causa do episódio Nene, um jovem avançado muito promissor da Académica que ele aliciou, pondo-lhe nas mãos um Porsche para vir a Lisboa assinar pelo Sporting; faleceu pelo caminho em aparatoso desastre de viação”.
Fact checking:
> Nene promissor avançado de 19 anos da Académica foi aliciado pelo Sporting: certo
> Morreu em aparatoso acidente de viação: certo
> João Rocha era presidente do Sporting: errado.
> Nené morreu na viagem a Lisboa para assinar pelo Sporting: errado
> Morreu a conduzir um Porsche: errado
Factos a corrigir:
> Nene tinha a proposta de um contrato milionário de 1.300 contos pelo Sporting, mas nunca chegou a assinar contrato.
> O presidente do Sporting era Brás Medeiros.
> Nene morreu ao volante de um Austin Mini na estrada de Coimbra para a Figueira da Foz.
E agora a razão por que as memórias são traiçoeiras para os jornalistas e muito mais para os cidadãos comuns: na altura (agosto de 1970), os jornais compararam a morte trágica do jovem jogador da Académica com a do actor James Dean, nos anos 50, este sim ao volante de um Porsche.