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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

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CATARSES 2️⃣6️⃣

Morreu Grant Wahl.

Um ataque cardíaco fulminante em plena bancada de imprensa do estádio onde acabara de assistir ao Argentina-Holanda do Mundial do Catar. Com 48 anos.

É dramático sim, raro, brutal, injusto. Nunca será apenas futebol, nunca será apenas vida ou morte, o Futebol é muito mais que isso - recorrendo novamente à explicação esotérica de Bill Shankly.

Conheci Grant Wahl no Mundial de França de 1998, quando ambos acompanhávamos o estágio da seleção dos Estados Unidos no meio de um vinhedo do Beaujolais e estivemos em vários jogos, nomeadamente o histórico Amerika-Irão, em Lyon.  Reencontrei-o no ano seguinte em Los Angeles na cobertura de um importantíssimo Congresso da FIFA e na final do Mundial de Futebol Feminino, ganho pelos Estados Unidos no Rosebowl de Pasadena, já no encalço dos podres da camarilha de Joseph Blatter.

Nesses anos antes da internet, eu, apaixonado pela essência do desporto norte-americano, era assinante da Sports Illustrated onde Grant começava a publicar reportagens completas e rigorosas. Soube agora que fez a capa da maior e melhor revista mundial de desporto por mais de 50 vezes, inclusive com o tema Cristiano Ronaldo, um recorde difícil de bater por jornalistas comuns. Foi muito influente na expansão do futebol nos EUA, autor do livro “The Beckham Experiment”, com crónicas nos jornais nacionais e aparições regulares na CNN. 

Não voltámos a ver-nos porque já não fui ao Mundial da Coreia de 2002, por ser considerado pelos meus editores um tipo demasiado problemático para continuar a andar perto da seleção nacional, que se queria tranquila e vitoriosa, desviando-me em boa hora para o mundo Olímpico, onde ele também trabalhou, sobretudo acompanhando a selecção feminina dos EUA. De certo, estivemos ao mesmo tempo, sem nos cruzarmos, no ‘Ninho de Pássaro’ a ver a final dos Jogos de 2008, com Messi, Riquelme e Di Maria, porque a Argentina era especial para ele.

Continuei a acompanhar-lhe a carreira nas redes sociais para não perder as intervenções mais significativas. A coragem e frontalidade com que enfrentou o poder corrupto da FIFA, que chegou a mudar os estatutos eleitorais para evitar que Grant Wahl voltasse a candidatar-se à presidência, como fez em 2011, pondo em alvoroço o status quo, até ser obrigado a desistir pelo cansaço e falta de apoios do sistema federativo.

Era um homem de causas, casado com uma célebre virologista que aconselhou o futuro presidente Biden sobre a crise do Covid-19, e no começo do Mundial chegou a ser detido pela polícia dos costumes do Catar, por aparecer vestido com uma t-shirt arco-íris. O irmão acha que foi assassinado, alvo de conspiração do regime totalitário de Infantino e seus sequazes. À distância parece-me rebuscado, mas merece que algum discípulo pegue no assunto.  

Grant Wahl era agora um freelancer, com espaço na tv americana mais ligada ao “soccer”, a Fox, e escrevia para o ‘New York Times’, o Real Madrid do jornalismo, depois de ter sido despedido pelos novos proprietários mercantis da SI por recusar o corte salarial nos anos da pandemia. De qualquer modo, também a revista se tornara pequena demais para ele. 

Morreu a ver a sua Argentina, o país de adopção que escolheu para o seu trabalho de curso de estudar o futebol num país estrangeiro e onde pudesse desenvolver o seu espanhol, tendo passado um verão na Bombonera, a mítica casa do Boca Juniors e de Diego Maradona.

“Esse amor de verão de um estudante de 20 anos, apaixonar-me por um estádio”, descreveu mais tarde. “Adorei estar nas bancadas, cantando e correndo como louco, como surfista sobre a onda da multidão de adeptos ao encontro da vedação por trás da baliza, sempre que o Boca marca um golo”.

Os seus últimos tweet foram “o que é que acaba de acontecer?” e “mais um incrivelmente desenhado golo de bola parada da Holanda”, como comentário de conhecedor e amante de futebol à brilhante invenção de Louis van Gaal que empatou a dramática partida com a Argentina, aos 90+11 minutos.

Grant Wahl, verdadeiro homem do futebol, morreu como Cândido de Oliveira, fundador de A Bola e mestre dos treinadores e dos jornalistas, quando cobria o Mundial da Suécia, no ano em que nasci, e desrespeitou as ordens médicas para descansar no hotel e não ir aos estádios ver Pelé - o que contribuiu para agravar irreversivelmente uma infecção pulmonar.

Há uns dias, Wahl sentiu-se mal, por causa de uma constipação mal curada na noite do Holanda-Estados Unidos, e os médicos no centro de imprensa diagnosticaram-lhe possível bronquite, medicaram-no com antibióticos, mas confessou não se sentir bem: “Ainda, ‘no bueno’”.

 
Rest in Peace.

 

FOTO The Guardian