Don Mourinho de la Mancha
Don Jose Mourinho a erguer o seu tridente de títulos frente à matilha de repórteres lembra Don Quixote a levantar a lança contra o moinho de vento, sendo que La Mancha, neste caso, é a sequência bem real de derrotas na Liga Inglesa.
O discurso fantasioso, a linguagem corporal desafiadora para uma batalha que só existe na cabeça dele e o ambiente de dúvida que se instalou em Old Trafford remetem para as aventuras inglórias do Cavaleiro da Triste Figura, de Cervantes. Com uma diferença: não há maneira de minorar o estrago com os conselhos do seu Sancho Pança, o fiel escudeiro Rui Faria que tanta influência teve nas conquistas de outros tempos e decidiu seguir outro caminho.
Mourinho lembrou que tem mais títulos sozinho do que todos os outros treinadores juntos, uma meia falácia só possível pelos abandonos de Arsène Wenger e António Conte há poucos meses.
Também recordou que os adeptos o aplaudiram, sugerindo que estão satisfeitos com o seu trabalho. E foi absolutamente quixotesco naquela alusão a uma superioridade sobre o Tottenham, acabando a pedir a um jornalista que se decidisse sobre o seu dilema: obter resultado ou jogar bem?
Para este Manchester United, ganhar e jogar bem seria como derrubar um moinho e conquistar Dulcinea - um desejo irrealista nesta guerra e um amor apenas platónico.
É o próprio inventor do “resultadismo” a trazer agora à colação um tema que o persegue desde que deixou o FC Porto, talvez a única equipa em que conseguiu juntar a eficácia à qualidade de jogo, com os jogadores mais baratos que alguma vez teve às ordens.
Compreensivelmente, sempre que foi subindo o padrão de exigência e a factura das contratações, baixou o nível de jogo, em função dos resultados. Em pouco mais de dois anos em Manchester, já gastou 432 milhões de euros em apenas nove jogadores, menos 170 milhões do que o “caballero" inimigo, Pep Guardiola, do outro lado da cidade. Como se 170 milhões fizessem a diferença para um título e, sobretudo, para um grande futebol, a diferença entre o Russo, bem realista, que vagueia meio perdido por Old Trafford e o garboso Rocinante, das fantásticas vitórias do nosso herói.