Ao lado de um jornalista
HISTÓRIAS SEM INTERESSE NENHUM (8)
Por estes dias, são inauguradas duas exposições de fotógrafos, de dimensões e alcance público díspares, mas aos meus olhos igualmente admiráveis.
Rui Ochoa, com quem trabalhei no Expresso, meu companheiro de estrada no Mundial de 1990 e de excursões europeias do FC Porto, exibe o seu extraordinário talento de retratista político, retina da história da Democracia, ao serviço da Presidência da República, durante décadas.
José Lorvão, companheiro de tantas aventuras no Record, mostra aos meus conterrâneos de Minde a sua incomparável estética desportiva, mais “esmerada” quando se tratava de atletas ou equipas do Sporting.
Ochoa e Lorvão são dois de muitos companheiros de vida, parceiros sacrificados e tantas vezes negligenciados nas reportagens, perante os caprichos dos repórteres, sempre prioritários no campo de acção, e tantas vezes vitimas da incompetência ou insensibilidade de editores que lhes amputavam a arte com menos cuidado do que teve o jardineiro de Antioquia ao amputar os braços à Vénus de Milo.
Quando hoje vemos os canhões dos fotógrafos desportivos e os terabytes de informação que captam à velocidade de metralhadora para eleger “a” imagem, não imaginamos que estes profissionais poderiam ir para um “serviço” com uma ponta de negativo para meia dúzia de fotografias e, portanto, não podiam falhar momento, nem abertura, nem velocidade, nem enquadramento, como se todos os dias enfrentassem uma roleta russa.
Faziam impossíveis, sobretudo, na fotografia desportiva: hoje, devido à concorrência da televisão, dá-se pouco valor à foto documental, mas eu sou do tempo em que pobre do fotógrafo que chegasse à redação sem a imagem do golo decisivo - e fui testemunha de enormes momentos de solidariedade em que profissionais concorrentes trocavam negativos, às escondidas dos editores, para salvarem a honra e o emprego.
Comecei com António Capela. Chamava-me “minderico” e apresentou-me aos maiores desportistas daquele tempo abrindo-me portas a entrevistas certamente inacessíveis a um deslumbrado estagiário de 20 anos.
Na Anop, conheci o Manuel Moura, o Alfredo Cunha, o Luis Vasconcelos, o Fernando Baião, o António Cotrim, o Valter Aguiar - certamente o “dream team” da fotografia, ao nível de uma redação que tinha o Carreira Bom, o Roby Amorim, o Fernando Carneiro, o Paixão Martins e os irmãos Pinheiro de Almeida na caça às notícias e na reportagem.
Na Gazeta dos Desportos, que me possibilitou o primeiro Mundial, em 1982, o Lobo Pimentel Junior, gigante do preto e branco, porque os dois mosqueteiros do futebol lisboeta, Capela e Nuno Ferrari, na verdade eram três. E o Óscar Saraiva, talvez o melhor de sempre a fotografar ciclismo, um homem muito bom.
Na Foot, aprendi a cor com um jovem que tinha o futuro escrito nas estrelas, o Rui Raimundo, discreto, sensível, rigoroso, trabalhador incansável, há quase 40 anos sucessor de Ferrari na travessa da Queimada. Ele, que vinha da escola do Offside, foi o primeiro a estimular a minha criatividade para o trabalho gráfico, que tanto me rendeu nos anos a seguir.
No Semanário Desportivo, o Carlos Vidigal, alfacinha rebelde, sempre pronto para qualquer chamada ou requisito invulgar, com faro para as notícias.
No Expresso, o António Pedro Ferreira, de outro campeonato, pela simbiose técnica com a sensibilidade visual, um poeta da fotografia, com quem aprendi a absorver emoções por trás da lente, como o calor emocional da queda do Muro, em Berlim, ou a frieza desarmante de um futuro treinador do Benfica, em Paris, que recusava ser fotografado do lado direito.
No Record, reencontrei o Francisco Paraíso, herdeiro da escola do Bairro Alto, que deu aos jornais a organização e a importância tecnológica que eram o calcanhar de Aquiles das gerações mais antigas, incapazes de programar, coordenar e arquivar o trabalho como editoria independente dos caprichos dos chefes de redação.
Lá, além do Lorvão, trabalhavam o Paulo Calado e o Miguel Barreira, profissionais premiados, um mais repórter de ação, o outro mais humanista, talvez os melhores deste século.
Pelo meio, corri mundo com o Artur Ferreira, glorioso maluco das corridas de automóveis e das cerimónias olímpicas, que me ensinou a escolher, num aeroporto qualquer, um portador de confiança que trouxesse para Lisboa o pacote de originais únicos de “linguados” datilografados e rolos de fotografias para a edição seguinte - expediente de transporte gratuito que nunca nos falhou.
E com o Carlos Alberto Matos, meu parceiro de vários anos nos playoffs da NBA e andanças olímpicas, com quem aprendi que não há impossíveis nem barreiras ao trabalho de um repórter quando o repórter quer realizar o trabalho - o único valor que contava nesta velha profissão ameaçada de extinção.
Ao lado de um repórter, mesmo medíocre, estará sempre um fotógrafo, quase sempre muito bom. Foi essa a minha sorte.
Obrigado a todos.