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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

07 Fev, 2023

A vida continua

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Hoje acordei com remorsos por ter dormido muito bem e zangado por me sentir desconfortável com a sensação térmica de apenas 7 graus centígrados. A desgraça alheia transporta-me sempre para o verso mais invariável sobre o carácter humano: “Só estou bem onde não estou”. Como aqueles milhões de pessoas estariam bem onde eu me queixo do solinho de inverno.

Nas televisões, o alinhamento passa das imagens de pessoas desesperadas à procura de sobreviventes em Gaziantep, para as de soldados a carregar obuses prontos a matar pessoas inocentes em Bakhmut. Mesmo assim, por uns dias, a guerra brutal que a Rússia mantém em território alheio passa para segundo plano, como se fosse possível graduar a infelicidade ou interromper uma angústia para digerir outra. Como se não tivéssemos espaço afectivo para sofrer dobrado, empatia de sobra para abarcar em simultâneo tragédias singelas.

Desejava alhear-me deste incómodo.

Gostava de perorar sobre o renascimento de Chiquinho, a dimensão de André Almeida, a estreia de Chermiti, o humanismo de Sérgio Conceição, as agressões a árbitros em vários campos, as prisões preventivas de membros da quadrilha casual, a aldrabice financeira que sustenta o poder dos clubes dominantes do futebol europeu. Mas só me vem à cabeça o infeliz Christian Atsu, a vítima mais “próxima” do terramoto da Anatólia, cuja sobrevivência me ajudaria a procurar um sentido para as calamidades, quer as naturais, que os crentes aceitam como desígnios divinos, quer as criminosas, desencadeadas pela insanidade humana.

Passaram 24 horas sobre os terramotos da Turquia. Dentro de dias outra hecatombe absorverá a nossa comiseração social, a primavera fará subir os termómetros, um novo  evento desportivo despertará a nossa irracionalidade, alguém virá à pantalha virar a página com o horrível ditame “a vida continua”.

Enquanto escrevo, meios de informação credíveis, com a BBC, anunciam que Atsu foi encontrado vivo em Hatay. Como dizem, no futebol, “a vida é isto mesmo”.