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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

Um dos momentos mais surpreendentes da minha vida de repórter no meio desportivo foi quando me vi a entrar no balneário dos Chicago Bulls poucos minutos após o final do jogo 2 das finais da NBA de 1991. Foi uma surpresa saber que aquela porta de balneário tinha de estar aberta aos jornalistas poucos minutos após o termo das partidas e que os jogadores, mesmo que se chamassem Michael Jordan ou Scotty Pippen, tinham de estar, alguns ainda molhados do duche e seminus, disponíveis para declarações, o que significava que tinham de estar já de cabeça fria e libertos da intensidade de uma final da competição desportiva mais exigente.

Dificilmente por lá, ao longo de mais de um século, terá algum jogador de primeira categoria dado uns pontapés na porta, uns socos no armário, ou atirado com uma bota ao treinador, pela falta de tempo e oportunidade fora da observação directa de fotógrafos ou cinegrafistas. Houvesse ainda um Nuno Ferrari, um António Capela ou um Formidável com acesso responsável às catacumbas do estádio do Bessa e, seguramente, o carpinteiro do Boavista não seria chamado esta semana a reparações de emergência.

Ver um jogador com a categoria e a responsabilidade de Bruno Fernandes ignorar o sistema de vigilância e a possibilidade de as respectivas imagens serem divulgadas contra a sua vontade por piratas da comunicação e a perpetuar-se nos arquivos da internet na pior cena da sua carreira levou-me exactamente ao cariz preventivo daquela medida antiga do Comissário da NBA, por cima dos interesses de privacidade das equipas, dos treinadores e dos jogadores.

Aquele cartaz no lado de dentro da porta, com letras garrafais a impor às equipas que ela se abrisse aos jornalistas acreditados até meia hora antes do jogo e 15 minutos depois do final, funcionava, há 30 anos, como um sistema de câmaras de vigilância e prevenção de maus comportamentos. Ainda hoje estas regras existem, adaptadas aos novos tempos (mais jornalistas, mais tecnologia), mas sempre em defesa do princípio: quanto maior for a partilha de conhecimento, melhor será a imagem do jogo e da organização.

Mas a NBA, sempre evocada como exemplo a seguir pelos arrivistas do nosso desporto que se anunciam como dirigentes inovadores, nunca é copiada no que tem de melhor, a comunicação e a transparência. Enquanto as organizações do desporto profissional norte-americano se baseiam no escrutínio permanente, enfrentando todos os perigos com frontalidade, as nossas organizações fecharam-se, blindaram-se, têm medo de exposição e acabam por viver apavoradas pela iminência do incidente seguinte, constituindo um maná para quem vive da exploração de escândalos.

Em Portugal, a influência das agências de comunicação com as suas práticas desviantes de gestão da informação, propagação de notícias falsas e controlo de danos, está na origem do distanciamento cada vez maior entre os protagonistas do espectáculo desportivo e os media - e, por consequência, o público, ao qual apenas resta a dúvida metódica ou a crença cega, que tudo condenam ou tudo desculpam em função do clube amado.

Podemos imaginar que aquelas portas do estádio do Bessa já foram substituídas várias vezes, mas só nos vamos lembrar da fúria de Bruno Fernandes, de pouco servindo que a comunicação do Sporting ainda tenha tido 48 horas para nos preparar para o que aí vinha, com aquela emotiva campanha do massacre sofrido no relvado, das faltas não assinaladas e da perseguição do árbitro Jorge Sousa, a quem todos podemos ver hoje no lugar de uma porta bruta - um “spin” quase perfeito.