A geringonça de Martinez
EFAB⚽LAÇÃO (36)
Os treinadores temerosos inventaram um sistema com mais um defesa, mas mascaram-no como se tivesse menos um. É a geringonça da bola, em que a “defesa a 3”, como dizem os teóricos, é realmente uma “defesa a 5”, que apenas liberta ligeiramente os laterais para o apoio ofensivo.
Equipas com três centrais, perante adversários notoriamente mais frágeis como são a maioria dos adversários de Portugal, entram em campo com um peso morto, retirando um elemento ao ataque e perdendo claramente para a dinâmica do médio defensivo que compensa o adiantamento dos laterais.
O 3x4x3 é, na realidade, um 5x2x3 ou um 5x4x1.
É uma táctica de equipas pequenas e foi desenvolvida por treinadores peritos em gerir aflições em campeonatos desiguais, como foi Manuel de Oliveira, o inovador Manuelic de Olivic, nos anos 80, para se bater com os Pedrotos e Eriksons de arsenais pesados.
Estou, por isso, atónito há meses com a adopção deste sistema na seleção nacional, servida pelo melhor plantel de atacantes de sempre, mas insistindo em entrar em campo a coxear, com menos uma unidade ofensiva, para enfrentar adversários da terceira divisão europeia no mais fácil grupo de qualificação de que há memória.
Ao enorme handicap de actuar 90 minutos com um Cristiano Ronaldo voluntarioso mas anacrónico, o espanhol Roberto Martinez ainda subtrai força ofensiva e capacidade de manobra nos últimos 30 metros - o que resultou em exibições “abaixo de Fernando Santos” nos primeiros quatro jogos.
A hipervalorização dos resultados, pela máquina propagandística da Federação, mascarando o valor básico dos adversários, apenas pinta o quadro com tons ainda mais patéticos do que as exibições.
Apesar de as seleções jovens, nomeadamente a de sub-21, continuarem a apresentar-se com dois laterais e dois centrais, como é de tradição, gosto e eficiência, tudo indica que Roberto Martinez foi escolhido, para surpresa geral, por ser um dos raros treinadores europeus capaz de acomodar Cristiano Ronaldo enquanto este e o presidente da FPF quiserem, e também pela sua genialidade táctica e estratégica.
Martinez acredita no que mais nenhum dos principais selecionadores europeus defende. Portugal é a única seleção europeia do top-10 do ranking FIFA que actua com cinco defesas.
A equipa de Rúben Dias e Pepe, herdeiros de Bruno Alves, Ricardo Carvalho, Fernando Couto, Humberto Coelho, Eurico Gomes e tantos outros, emparceira tacticamente com Estónia, Chipre, Cazaquistão, Malta, Moldávia, Liechtenstein, Andorra e São Marino, que também se apresentam garbosamente nestes jogos de brincadeira com a retaguarda estofada.
França, Bélgica, Inglaterra, Países Baixos, Croácia, Espanha e Itália, que seguem à frente de Portugal no ranking mundial, insistem em alinhar com apenas quatro defesas, vamos lá entender porquê! Na grande parada da alta competição, Portugal desfila orgulhosamente diferente, com os basbaques enlevados a comentar: só nós com o passo certo, os únicos que não sofrem golos…
Já dizia Cândido de Oliveira, a propósito da adopção do WM, há uns 80 anos, que um sistema desenvolve-se com “maior rigidez“ ou “maior elasticidade” em função da interpretação dos jogadores e do modo como se movimentam dentro desse esquema. Ora, o que se viu nestes primeiros jogos foi uma enorme inflexibilidade e falta de permuta e entreajuda entre defesas e médios nas zonas centrais, pois os mais recuados teimam em não sair a jogar e a não criar superioridade numérica nas zonas adiantadas do terreno.
Os jogos resolveram-se pela enorme diferença de gabarito individual e em lances de bola parada. Mas, na Islândia, foi preciso recorrer ao especialista Gonçalo Inácio, inexplicavelmente preterido de um esquema em que era o único com rotinas, para se perceber, em poucos minutos como aquilo pode funcionar, precisamente à boa maneira das geringonças da política: fazer de conta que se entendem e salve-se quem puder.
FOTO Pedro Rocha / Global Imagens