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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

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Numa novela dos bons tempos havia a figura de um comerciante extremamente ganancioso que fazia fortuna a fantasiar os efeitos milagrosos da morte do santo, numa árvore que despertava moribundos, e que acabou morrendo ele próprio sufocado no meio das suas medalhinhas quando o poético feitiço foi desfeito pela prosaica realidade.
Era o Zé das Medalhas original que parece encarnar na figura dos portugueses desportivamente iletrados que, de quatro em quatro anos, encarnam a tal figura ignorante e gananciosa que pretende enriquecer o seu palmarés à custa dos pobres atletas, até “morrer” também sufocado no banho das medalhas olímpicas que, na realidade, são tão falsas como a morte fingida do Roque Santeiro.
A reaparição de uma Missão de Portugal despojada de soberba, transparente como os resultados possíveis que alcança no dia a dia dos Jogos, acabará por também revoltar a populaça que se sente enganada por esses Zés das Medalhas proféticos que encarnam na figura dos jornalistas, enviados especiais ao mundo do faz-de-conta em que o desporto mais subdesenvolvido da Europa alinha no areópago dos Deuses do Olimpo.
Da minha experiência, sei que há dois tipos de Jogos Olímpicos para os portugueses. Os que correm muito bem, como Atenas 2004, em que caiu do céu uma medalha na prova de ciclismo logo no primeiro dia. E os que correm muito mal, como os de Pequim 2008, em que vivemos uma semana de frustrações agudas até ao voo picado de Nelson Évora.
Em Atenas, ganhámos três medalhas. Em Pequim, conquistámos duas, mas uma de ouro. E em Londres, apenas uma. E no Rio de Janeiro, outra. E, finalmente, em Tóquio, longe, em pandemia e sem febre olímpica, o recorde de quatro, com mais um ouro de Pedro Pichardo.
É isto o desporto português e ganhar uma medalha olímpica será uma das proezas mais difíceis e complexas de alcançar por qualquer ser humano, ainda que se afigure banal quando olhamos para a Simone Biles, por exemplo. Acontece que a ginasta americana não é deste mundo terráqueo onde vivem estes Zés de um povinho que não se educa nem se deixa educar.
Os primeiros Jogos de que me lembro são os do México 1968, com os velocistas americanos e, sobretudo, uma parafernália de modalidades desportivas que eu nem imaginava existirem. E em Munique 1972, sentado a um canto de um café em São Martinho do Porto, fugindo da praia e do sol, me locupletei com as sete medalhas de Mark Spitz, o meu primeiro herói fora do futebol.
Demorei até chegar à idade adulta para ver um português conquistar uma medalha olímpica, o grande Armando Marques, numa competição tão emblematicamente lusitana como o Tiro com caçadeira. E só depois a prata do Carlos Lopes, “roubado” em Montreal, oito anos antes do primeiro ouro português, em Los Angeles 1984, quando eu já era pai de família.
Como este processo é longo e intrincado! Como a experiência nos molda para a realidade inexorável! Como é surreal, fantasioso, enganador, este permanente piscar de olho dos media e dos seus profissionais pouco profissionais que são capazes de perguntar a um atleta, que sabe ir defrontar uns vinte ou trinta melhores que ele, se espera (ou sonha) com as medalhas.
Escolhi esta figura do Zé das Medalhas - que também podia ser aquele comerciante da Baixa que fazia aparecer milhões de euros do BES em contas secretas na Suíça - para encarnar a figura de todos os que alimentam este “sonho” irrealizável na ânsia de fazerem Portugal parecer o que não é, não foi e não será nos próximos 40 anos, o tempo de atraso estimado do nosso Desporto relativamente ao espanhol, por exemplo.
Nesta equipa olímpica só há dois medalhistas encartados, o Fernando Pimenta, que vi nascer no FOJE de Lignano, faz agora 18 anos, e o Pedro Pichardo, que foi adoptado. Seriam deles as tais duas medalhas que nos afogariam, perdão, que nos afagariam o ego no final deste ciclo, portanto, até abaixo dos objetivos optimistas do COP, na sua diplomacia negocial por mais apoios do Estado.
Não quer dizer que não haja olímpicos milagres como os que excitavam Asa Branca. Ainda ontem vi um judoca francês abaixo do 30.° lugar do ranking chegar à medalha de prata perdendo à justa com o n.° 1 mundial. Mas não pode ser vendida como uma probabilidade, nem sequer uma possibilidade.
A realidade do Desporto português é existir uma atleta, só uma, a Filipa Martins, que por mérito e trabalho, conseguiu voar perto das Simones Biles deste tempo. Dizem que fez História, mas nunca terá o seu nome escrito a ouro ou prata no mural da Travessa da Memória, porque ainda está a anos-luz de, realmente, fazer História: ela ou uma sua neta ou bisneta.
Quando penso em Domingos Castro, em Gustavo Lima, em Miguel Maia e João Brenha, em João Rodrigues, em João Costa, super-atletas que não chegaram ao pódio olímpico, basta-me para não exigir algo que não faço ideia de como possa ser alcançado.
E prefiro ajudar a sufocar num banho de medalhas de aplauso e reconhecimento todos os que no dia mais belo das suas vidas desportivas, por vezes em escassos segundos ou minutos, tocaram a glória de participar nos Jogos Olímpicos, do que na frustração gananciosa e tão lusitana de fingir, à boleia de qualquer proeza individual como a prata do Sérgio Paulinho, que somos, afinal, tão bons como os melhores.
Porque somos, apenas, o que somos.
 
Foto Sábado

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Há dois tipos de pessoas: os que adoraram a Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Paris; e os que não gostaram da confusão cultural em que se transformou o mundo desportivo pela influência da política socialmente correta, também conhecida como “woke”.
Respeito os primeiros, mas identifico-me com o segundo grupo, por considerá-la decepcionante quando comparada com todas as que presenciei e de que me lembro, em mais de 50 anos.
Esquecendo um Dionísio ridículo e um Apolo antenado, ambos com peso a mais, uma pessoa barbada que talvez menstrue e uns anões de salto alto, uma Antonieta decepada e um cavaleiro que nunca mais chegava ao Apocalipse, só me vou recordar do improvável encontro entre os deuses Nadal e Zidane e de uma Cèline Dion miraculosa e divina.
Tudo o resto foi chato, arrastado, penoso, repetitivo e encharcado. Um festival de gosto discutível, com uma excelente banda sonora, por um lado, mas um fraco uso das tecnologias cinematográficas, por outro, embora com a desculpa da chuva persistente.
Atravessar meia Paris para acender um balão foi a cerimónia da pira menos imaginativa de que me lembro, o que se repercutiu nos milhares de Xuítes nostálgicos com o vídeo do arqueiro de Barcelona que as redes sociais ressuscitaram por estas horas.
A ideia de usar o rio Sena era boa, mas perdeu o sentido quando a segurança afastou os parisienses da festa prometida: ruas vazias e sombrias na Cidade-luz, como nos longos minutos da chama a caminho do Louvre, é um roteiro completamente incompreensível e falhado.
Estive na Cerimónia de Encerramento dos Jogos de Sydney, a primeira realizada no centro de uma cidade, com mais de um milhão de pessoas na rua sem pagar bilhete. E lamento garantir que os “aussies” sabem montar uma festa muito melhor que os franceses. C’est ridicule, mes amis!
A ideia de que os Jogos Olímpicos têm de parecer “inclusivos” é uma afronta a mais de um século de comunhão universal através do desporto. Parece até um complexo de culpa dos dirigentes políticos relativamente ao passado racista, discriminatório e elitista dos fundamentos originais do Olimpismo moderno, a começar pelo Barão de Coubertin, mas que os atletas contrariaram milhares de vezes nas arenas da competição - sobretudo depois de Jesse Owens, o verdadeiro “criador” dos Jogos da Era Moderna.
Os dirigentes olímpicos nunca tiveram pruridos em figurar ao lado dos piores facínoras, de Hitler a Putin, passando pelo branqueamento da União Soviética e da China. Agora acotovelam-se para embarcar no “bateau mouche” arco-íris e desfilar alegremente no “freak show” do grotesco e das aberrações que tentam roubar o espaço e ofuscar a beleza das plumas do Moulin Rouge.
17 Jul, 2024

Nascer de novo


O campeonato da Liga contra o Cancro só se vence com uma boa táctica, disciplina, organização, técnicos de classe superior e o apelo à qualidade humana mais intrínseca que é a resiliência.



O amor, atenção e incentivo de quem nos rodeia, os nossos adeptos mais fiéis, também dão uma enorme ajuda a manter um espírito optimista.

Cheguei hoje ao fim da primeira época com uma vitória retumbante sobre dois adversários monstruosos, que tentaram apanhar-me de surpresa, mas sofreram uma tareia das antigas, graças à objectividade e eficácia de um “espalha-brasas” chamado Braquiterapia.

Seguem-se algumas épocas para usufruir deste título raro, a vida, partilhando uma história de sucesso que é o b-a-ba da estratégia obrigatória para qualquer homem com mais de 50 anos.

O primeiro jogo é o mais fácil: uma análise aos níveis de PSA a cada seis meses (sobretudo para quem tiver outra patologia, como a diabetes) ou, no máximo, anual.

Se houver derrota, mesmo que tangencial, passar logo à segunda jornada, a consulta ao urologista, que, primeiro, nos “humilha” com aquela jogada de penetração que fez a Alemanha perder a guerra, antes de nos confortar com a necessidade de um segundo olhar, porque nada está perdido.

Segue-se a Ecografia, da Liga dos últimos. Um jogo facílimo que abre perspectivas: o sacana está lá mas é dissimulado. Urge não lhe dar tempo nem espaço para crescer, ao estilo dos antigos “15 minutos à Benfica”.

Termina com resultado positivo, mas ainda sem desfecho absoluto e envia-nos para um terreno hostil, um autêntico “alçapão”, a Ressonância Magnética, que só conseguimos ultrapassar se ficarmos quietinhos durante meia hora, acumulando os cartões amarelos do técnico da máquina a cada esgar ou comichão.

A RM, como é conhecida na gíria dos balneários hospitalares, pode ter um resultado inesperado como, por exemplo, revelar dois monstrinhos onde os “olheiros” só tinham visto um.

Mas é uma partida fundamental para os desafios seguintes, ao jeito do GoalPoint, com as análises digitais e os mapas de calor demarcando as manhas do adversário, indicadores que os pontas de lança da Braquiterapia hão de seguir à risca nos seus raides cirúrgicos e decisivos.

Depois do suor e de algumas lágrimas, o nível de exigência sobe, então, para o campo do sangue derramado: a terrível Biópsia em que um homem de mais de 60 anos é confrontado com a primeira anestesia geral da vida. Ganha-se sem mexer uma palha e não se ouve aquele intimidante e irritante “falta só um bocadinho, fique quieto” da jornada anterior. No fim, dão-nos chá e bolachas como prémio de jogo.

O resultado da Biópsia demora tanto a sair como as decisões do Conselho de Justiça e ficamos mais de um mês para saber se vamos à final ou não, até àquele veredicto “malignos”, que não deixa margem a recurso. Pois, o que é mau sempre se torna péssimo e a (des)qualificação para a Supertaça acaba por chegar: é de grau 5 o calibre do adversário. Não há pior, é preciso enfrentá-lo de imediato com toda a energia e determinação.

Marca-se o grande dia, fazemos a mala para um estágio mais prolongado e avançamos. A equipa recebe o reforço do tal Chico Conceição americano e objectivo, em forma de bagos de arroz radioativos que vão para cima dos adversários sem dó nem piedade, deixando-os esgazeados durante três meses até à rendição absoluta.

A vitória é tão impressionante como a simplicidade de um “correu tudo bem” ter o impacto de um “nasceu outra vez”, no fim de um processo que também durou mais ou menos nove meses.

Hoje, recebi a homologação do título: sou campeão da luta contra o cancro, a batalha mais complicada de um percurso cheio de desafios, pois, como dizem os sábios da bola, “a vida é isto mesmo”.

Seguem-se anos para desfrutar, vigilante, sempre atento aos movimentos traiçoeiros do inominável.

Não passará!

Agradeço penhoradamente à minha equipa técnica, os doutores Frederico Ferronha, Joan Cortina e Henriqueta Abreu, ao meu clube, a Casa da Imprensa, e ao patrocinador principal, a AdvanceCare. Agradeço à minha claque fervorosa e presente, em especial a Paula e a minha irmã Leonor, pois sem elas não teria sido possível.

E viverei para lembrar todos os homens de 50 anos ou mais velhos: controlem regularmente o PSA. Em média, um em cada seis homens será diagnosticado com cancro da próstata ao longo da sua vida, mas se for atacado a tempo deixa 90 por cento de hipóteses de triunfo.