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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

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Talvez nenhum campeonato até hoje tenha sido tão influenciado por um jogador como o do 20.° título do Sporting.
G de Gyökeres e de Golo é o factor que determinou a diferença, quer em relação à valia global da equipa, ajudando vários jogadores banais a ganharem volume em quantidade e em qualidade, fazendo subir vários níveis o plano colectivo, quer sobretudo em relação à concorrência, reduzindo à vulgaridade os diversos e bem dispendiosos homens-sem-golo contratados pelos principais adversários.
Entre finalizações e assistências, Gyökeres é responsável por um terço da eficácia do Sporting e, contando todas as frentes de competição, tem mais do dobro da faturação do terrível trio Tengstedt-Arthur-Leonardo. É ele o factor diferenciador para o desnível de 92-71 em golos, mais 21 em 32 jornadas, que o Sporting cavou em relação ao principal adversário.
Mas, mais do que as concretizações, o que desde cedo o distinguiu foi a capacidade de se haver sozinho na frente de ataque, com um vigor e um discernimento com bola que só estamos acostumados a ver em jogadores de nível superior. O treinador inventou para ele uma táctica revolucionária do passe e repasse “a partir de trás” que se tornou no alfa e omega dos treinadores da moda, a qual consiste simplesmente num pontapé comprido desde a extrema defesa e no controlo, arranque e remate, tudo a solo, pelo predador sueco.
O ovo de Colombo de Rúben Amorim.
Difícil de marcar, quase impossível de parar, um pesadelo para treinadores e defensores adversários, dada a profundidade e vasta latitude das suas ações.
O mérito do Sporting e dos seus responsáveis assenta na procura, aquisição e acomodação deste jogador, como pináculo de um processo, a peça que faltava num puzzle em montagem há alguns anos. E este é um mérito raro nas direções futebolísticas nacionais, sempre à mercê dos interesses dos agentes intermediários e da pressão mediática, que os levam a elevada percentagem de erros de “casting” e a estipêndios absurdos e sem correspondência à qualidade dos artistas.
Mais determinante ainda no panorama nacional se afigura este Factor Gyökeres quando sabemos que era um jogador na montra de um campeonato de alta visibilidade como o Championship inglês, considerado o “sexto” membro das “Big Five” Ligas europeias, e que terá sido visto e revisto pelos olheiros do Benfica em mais de 30 jogos do Coventry, qual “kungsörn”, a águia real da Suécia que acabou preterida e trocada pelo leque de inofensivas “avis vulgaris” colocadas ao dispor de Roger Schmidt por módicos 45 milhões nas últimas duas épocas de “reforços”.
Quando um dia se escrever a pagela desta temporada, alguém vai dizer, resumida e expressivamente, que foi no ano em que Gyökeres transformou Nuno Santos num novo Di Maria.
(fim)

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A maior crítica que os comentadores franceses fizeram ao treinador Luís Enrique após a derrota do Paris SG em Dortmund foi não ter colocado em jogo no segundo tempo o avançado português Gonçalo Ramos, o mais valioso de todos os jogadores suplentes crónicos desta temporada. Na partida em que a equipa ficou em branco pela primeira vez - na única noite em que tal não “podia” acontecer.
Diziam eles que a partida com o Borussia estava a pedir o sentido prático e objectivo do “portugais” por contaste com as dificuldades do extraordinário Mbappé fora da sua posição habitual, em claro sacrifício estratégico de ocasião. Gonçalo Ramos, entrando aos poucos na equipa parisiense, apresenta um ratio de um golo a cada 120 minutos, semelhante ao da última temporada a “full time” no Benfica.
Numa época de transição para uma realidade mais exigente, o jovem algarvio respondeu à altura e deixa em aberto a perspectiva de suceder ao ídolo francês, a partir do próximo verão, como jogador de referência de um clube que está à beira de alcançar a hegemonia europeia, há décadas desejada pela tradicional arrogância dos herdeiros de Chauvin, na cidade que inventou a Taça dos Campeões Europeus que nunca conseguiu conquistar.
O “scouting” português do Paris não se enganou ao depositar milhões de fichas na aquisição do principal decisor do Benfica da época transacta. Depois de Grimaldo, também Gonçalo ficou sem substituto na equipa de Roger Schmidt, não obstante o gasto desbragado de boa parte desse balúrdio em putativos substitutos como o brasileiro Arthur Cabral.
O “scouting” do Benfica, pelo contrário, falhou rotundamente. Ele é responsável pela iminente perda do título nacional e pelo desperdício de boa oportunidade europeia: um Di Maria à esquerda e um Neres à direita, ou vice-versa, só precisavam de um “pinheiro”, mas os experts de Rui Costa plantaram um eucalipto - um “secador”, como dizem os brasileiros quando se lhes acaba a boa vontade.
O Golo, esse Factor nuclear do futebol, nem sempre aparece na primeira linha das prioridades de alguns dirigentes. “Só marca golos” foi o veredicto que afastou Mário Gardel, perdão, Jardel, do Benfica, no tempo em que o “scouting” era feito a “olho clínico” porque as camisolas ainda ganhavam campeonatos. Nesse tempo como hoje, no fim da linha, quem paga é o treinador.
(A continuar)

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Alejandro Grimaldo deve ser o futebolista mais subvalorizado da atualidade. Ninguém se lembrará dele quando for feita a lista das Bolas de Ouro, mas poucos ou nenhum terá realizado uma época tão perfeita: decisivo em praticamente todos os jogos da caminhada invicta do Bayer Leverkusen, campeão da Alemanha pela primeira vez, finalista da Taça e provável finalista da Liga Europa.
São 11 golos e 18 assistências, além de inúmeras oportunidades criadas, em 46 jogos - mas o mais importante é a dinâmica, a iniciativa, a velocidade, o entrosamento e a objectividade das suas ações, encaixadas na perfeição da máquina montada por Xabi Alonso, desde o primeiro dia da sua vida longe do Benfica. E numa posição “nova”, mais adiantado no terreno, num sistema de três defesas, libertando-o do desgaste brutal das 20 “piscinas” por partida que lhe exigiam por cá.
A necessidade de procurar um novo desafio pode ter sido incontornável, não se lhe podendo negar ao fim de oito anos no clube o que se considera natural para a carreira dos jovens formandos do Seixal, após meia dúzia de jogos acima da média. Grimaldo justificou com serviços relevantes uma venda lucrativa no final do ciclo, mas saiu a custo zero. Porque foi mal cuidado por uma direção negligente e com dificuldade para hierarquizar prioridades na gestão do plantel.
Há uma exuberância discreta no futebol de Grimaldo, uma capacidade de tecer a manta entre os intervalos do espaço, de aparecer onde ninguém o espera, de decidir antes de piscar o olho. É agora um futebolista total, capaz de definir em todas as zonas do campo, muito além do lateral habilidoso que se revelou na escola do Barcelona mas não tinha espaço na sombra de Jordi Alba. Talvez tenha sido por causa deste indefinível talento para executar sem dar nas vistas que demorou tanto tempo a chegar à seleção espanhola, onde também rapidamente começa a fazer a diferença e na qual poderá ser uma das figuras do próximo Europeu.
A continuidade de Grimaldo custaria ao Benfica muito menos do que um Jurasek qualquer, com quem se cruzou recentemente num Leverkusen-Hoffenheim, cujo filme podia bem documentar a incompetência gritante do departamento de escolha e decisão do Seixal.
A sua saída, a par da de Gonçalo Ramos, é o factor mais influente para os sucessivos fracassos da temporada encarnada e um enorme álibi para a culpa de Roger Schmidt. A “força G” que tem faltado ao Benfica e que tem sobrado ao Sporting de Gyökeres.
(A continuar)
 
Foto Sport
02 Mai, 2024

Vou ali, já venho

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És treinador do Sporting, gozas de enorme popularidade, estás a umas semanas de confirmar um expressivo título de campeão e decides fazer uma viagem inusitada para resolver assuntos pessoais, sendo fotografado no aeroporto e gerando perplexidade, contestação em surdina e dúvidas sobre o futuro da ligação, até então, idílica.
O “vou ali a Londres, já venho” de Rúben Amorim é um “déjà vu” de uma novela que ditou o fim a curto prazo da intensa relação dos sportinguistas com o treinador Malcolm Allison, em 1982, e que, de algum modo, provocou uma crise que deixou o clube na doca seca dos campeonatos até ao fim do século.
Nesta foto do meu baú, Allison é apanhado no aeroporto a explicar-me que se deslocava a Inglaterra para assistir ao casamento da filha e que isso em nada afetaria a concentração da equipa, apesar da reduzida vantagem classificativa sobre os rivais do costume.
Não sei quem chamou os jornalistas a Tires para testemunhar a partida de Amorim, mas quem me fez voar com o Lobo Pimentel Jr. para a Portela, naquele dia, há 42 anos, foi um antigo dirigente leonino, velha raposa do mundo da bola, indignado pela falta de profissionalismo do treinador.
Ao contrário de Amorim, Allison nunca reconheceu o erro, nunca pediu desculpa e demorou poucas semanas já na época seguinte a enredar-se em episódios rocambolescos e banhos de champanhe búlgaro que ditaram o divórcio litigioso com o presidente João Rocha.
Com Oliveira, Manuel Fernandes e Jordão na frente de ataque essa terá sido a melhor equipa do Sporting depois dos 5 Violinos, vencedora de campeonato e Taça, por mérito táctico, dinâmico e motivacional do inglês, mas também do preparo físico de Radisic. A sua saída extemporânea lançou o clube em enorme confusão, entregando a equipa a uma impensável solução técnica de jogador-treinador e a sucessões diretivas mais ditadas pela paixão do que pelo bom senso.
Como será o começo da próxima época de Rúben Amorim no Sporting? Até que ponto esta ideia de “relação aberta” subitamente revelada pelo jovem treinador será suficientemente forte para sustentar o compromisso dos jogadores e dos próprios adeptos?
No futebol como na vida, as vitórias ajudam a consolidar vínculos e cumplicidades, mas quando a desconfiança germina o processo de separação torna-se, quase sempre, inevitável.

01 Mai, 2024

O Porto e o Mundo

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Pinto da Costa não me deixa saudades. Foi dos protagonistas mais detestáveis com quem me cruzei nestas quase cinco décadas de vida desportiva, conhecendo-o a metamorfosear-se de ninfa em percevejo, do afável e atencioso para o execrável e perigoso, ao mínimo sinal de discórdia.
Foram 42 anos de hipocrisia e manipulação sustentadas por uma excelente capacidade competitiva que, em sucessivas regenerações desportivas de sucesso, colocaram o clube num patamar elevado, embora sem correspondência em expansão popular e universal.
Mas nunca me revi no “método” que um famoso professor e visionário do nosso futebol, perante a frustração circunstancial das suas ambições em clube rival, um dia decretou “a partir de agora vai ser à Pinto da Costa”. Não entendeu, tal como outros que sofreram a mesma humilhação de ver a ciência ser goleada pela esperteza, que aquilo era obra de autor, inimitável e só possível com alicerces muito profundos no seu reduto social, como um regime totalitário que se perpetua com suas ramificações políticas e tropas de choque.
É por isso quase profético que o grande líder tenha agora caído do seu trono de sonho às mãos de um dos raros delfins que ousaram ir além da ponte da Arrábida conhecer e aprender num mundo onde a força da razão não se submeta à insanidade do poder, sem renegar a indelével matriz.
No mundo que o Porto ainda não tem.
É este, por absurdo, o involuntário legado de Pinto da Costa, ao mesmo tempo que a benevolência da memória ajuda a extirpar a sujidade das impressões digitais que ainda tiram algum brilho às pratas do museu: depois dele pode chegar quem melhor dele fará.

 

Foto CM