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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

EFABLAÇÃO (36)

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Os treinadores temerosos inventaram um sistema com mais um defesa, mas mascaram-no como se tivesse menos um. É a geringonça da bola, em que a “defesa a 3”, como dizem os teóricos, é realmente uma “defesa a 5”, que apenas liberta ligeiramente os laterais para o apoio ofensivo. 

Equipas com três centrais, perante adversários notoriamente mais frágeis como são a maioria dos adversários de Portugal, entram em campo com um peso morto, retirando um elemento ao ataque e perdendo claramente para a dinâmica do médio defensivo que compensa o adiantamento dos laterais.

O 3x4x3 é, na realidade, um 5x2x3 ou um 5x4x1. 

É uma táctica de equipas pequenas e foi desenvolvida por treinadores peritos em gerir aflições em campeonatos desiguais, como foi Manuel de Oliveira, o inovador Manuelic de Olivic, nos anos 80, para se bater com os Pedrotos e Eriksons de arsenais pesados.

Estou, por isso, atónito há meses com a adopção deste sistema na seleção nacional, servida pelo melhor plantel de atacantes de sempre, mas insistindo em entrar em campo a coxear, com menos uma unidade ofensiva, para enfrentar adversários da terceira divisão europeia no mais fácil grupo de qualificação de que há memória.

Ao enorme handicap de actuar 90 minutos com um Cristiano Ronaldo voluntarioso mas anacrónico, o espanhol Roberto Martinez ainda subtrai força ofensiva e capacidade de manobra nos últimos 30 metros - o que resultou em exibições “abaixo de Fernando Santos” nos primeiros quatro jogos. 

A hipervalorização dos resultados, pela máquina propagandística da Federação, mascarando o valor básico dos adversários, apenas pinta o quadro com tons ainda mais patéticos do que as exibições.

Apesar de as seleções jovens, nomeadamente a de sub-21, continuarem a apresentar-se com dois laterais e dois centrais, como é de tradição, gosto e eficiência, tudo indica que Roberto Martinez foi escolhido, para surpresa geral, por ser um dos raros treinadores europeus capaz de acomodar Cristiano Ronaldo enquanto este e o presidente da FPF quiserem, e também pela sua genialidade táctica e estratégica.

Martinez acredita no que mais nenhum dos principais selecionadores europeus defende. Portugal é a única seleção europeia do top-10 do ranking FIFA que actua com cinco defesas. 

A equipa de Rúben Dias e Pepe, herdeiros de Bruno Alves, Ricardo Carvalho, Fernando Couto, Humberto Coelho, Eurico Gomes e tantos outros, emparceira tacticamente com Estónia, Chipre, Cazaquistão, Malta, Moldávia, Liechtenstein, Andorra e São Marino, que também se apresentam garbosamente nestes jogos de brincadeira com a retaguarda estofada.

França, Bélgica, Inglaterra, Países Baixos, Croácia, Espanha e Itália, que seguem à frente de Portugal no ranking mundial, insistem em alinhar com apenas quatro defesas, vamos lá entender porquê! Na grande parada da alta competição, Portugal desfila orgulhosamente diferente, com os basbaques enlevados a comentar: só nós com o passo certo, os únicos que não sofrem golos…

Já dizia Cândido de Oliveira, a propósito da adopção do WM, há uns 80 anos, que um sistema desenvolve-se com “maior rigidez“ ou “maior elasticidade” em função da interpretação dos jogadores e do modo como se movimentam dentro desse esquema. Ora, o que se viu nestes primeiros jogos foi uma enorme inflexibilidade e falta de permuta e entreajuda entre defesas e médios nas zonas centrais, pois os mais recuados teimam em não sair a jogar e a não criar superioridade numérica nas zonas adiantadas do terreno.

Os jogos resolveram-se pela enorme diferença de gabarito individual e em lances de bola parada. Mas, na Islândia, foi preciso recorrer ao especialista Gonçalo Inácio, inexplicavelmente preterido de um esquema em que era o único com rotinas, para se perceber, em poucos minutos como aquilo pode funcionar, precisamente à boa maneira das geringonças da política: fazer de conta que se entendem e salve-se quem puder.

 

FOTO Pedro Rocha / Global Imagens

18 Jun, 2023

Não chora, bebé!

EFABLAÇÃO (35)

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Otávio vai entrar em campo, absorto, como se levitasse numa realidade paralela. Ouve o  3.° Anel irromper em aplausos, num entusiasmo indescritível, uma manifestação inclusiva e de paixão incondicional pelo jogador da seleção como raramente se vê nos estádios portugueses.

Por momentos, fica perturbado, não esperava esta recepção, não está habituado a demonstrações de carinho em locais normalmente hostis, como o “salão de festas” dos portistas. 

Dias antes, tinha dito numa “Live” para os compatriotas do Rio Grande do Sul, no meio de umas gargalhadas gostosonas, que iam fazer-lhe no estádio da Luz o mesmo que ao coninhas do João Mário no Alvalade: “os cara gosta mesmo de mim lá na Mouraria, odeiam-me. É tão bacana”. 

Quando, de olhos fechados, absorvia aquela explosão, afinal feia, porca e má dos adeptos comuns de Portugal, conseguiu distinguir um som que o trouxe das nuvens ao tempo e ao espaço reais. 

Da bancada, no meio daquela algazarra, alguém grita um “não chora, bebé”, que lhe assenta como a chapada que muitos atletas precisam no último momento antes de entrarem em ação, cem por cento focados.

Uma pessoa, só uma no meio de 60 mil, passa-lhe a palavra-passe de estabilização, motivação e identidade que devolveu o espírito do jogador guerreiro indomável à sua essência.

Oh, que bom! Não eram aplausos, eram assobios, vaias, urros - tudo o que desperta, excita e injecta o sangue nos olhos de Otávio, antes de cada jogo de vida ou morte.

“Quanto mais nos odeiam, mais nos motivam”. As perseguições centralistas são combustível para o monstro competitivo e avassalador dos 40 anos disto.

O episódio, banal para o nosso Dennis Rodman gaúcho, despertou, contudo, o coro de hienas ofendidas, que não dispensa uma boa “polémica” clubística e juízos de valor sobre os bons portugueses e os maus. 

Baseiam-se no “odi profanum vulgus” de que quem não se ofende não é boa gente, ao contrário do próprio Otávio, por certo um impávido marcelista, a quem não ofende quem quer.

Entra-lhe por um ouvido e sai pelo outro - como muito bem se apressou a explicar o departamento de truncagens do FC Porto numa imagem que “diz tudo”:  desprezar o juízo dos néscios e valorizar a opinião dos sábios.

A pose de rufia assenta que nem uma tatuagem de “amor de mãe” no braço do combatente e empresta à seleção nacional o espírito de conquista da nação valente, aquele permanente apelo “às armas, às armas”, que há-de guiar-nos às vitórias.

“Ssssssssssi!”

“Buuuuuuuu!” 

Vai Otávio, dá-lhes como se não houvesse amanhã, Portugal está contigo!

 

FOTO twitter

13 Jun, 2023

Cabeças de javardo

HISTÓRIAS SEM INTERESSE NENHUM (9)

costa.jpegBem-vindos à era abaixo de porco na comunicação política, cujos novos e futuros líderes foram gerados e medram num caldo sociológico e orgânico que se confundia com as claques dos clubes de futebol, orgulhosos de manifestações da maior alarvidade e da mais profunda intolerância.
Vem aí uma campanha eleitoral com slogans do tipo “PS é merda”, “PSD filhos da puta PSD” ou “Somos ultras, f**emos comunistas”.
Com a indulgência social quanto às virtudes da “escola” do futebol, as juventudes partidárias recrutam nas mesmas academias de “formação” das claques, partilham os seus mestres mais “criativos”, aprendem os mesmos cânticos e macacadas a que chamam “coreografias”, desenvolvem o mesmo prazer pelas vitórias a qualquer preço, distinguindo a “nossa” esperteza da ilegalidade “deles” e cultivando pelos adversários o mesmo desdém, rapidamente consolidado em ódio.
Se, por exemplo, antigos chefinhos de claque alcançaram o topo de hierarquias mediáticas, como a direção de jornais ou de agências de comunicação, onde constroem e perpetuam linhas de influência duvidosa, é lógico que se sentem também ao volante de organizações políticas com projetos de poder - como aprendizes de guru que se dão ao desfrute de eleger presidentes.
Durante décadas, os responsáveis políticos e judiciais fecharam olhos e ouvidos à brutalidade gratuita e aos crimes quotidianos de racismo, xenofobia, misoginia e propaganda do ódio da agenda das claques desportivas. Não só foram indulgentes com estas escolas de “pequena” criminalidade, da qual degeneraram alguns casos de extrema gravidade, como, a partir de certa altura, começaram a apoiá-las implicitamente nos painéis televisivos onde passaram a sentar-se autênticos “hooligans” da palavra, juntando-se sem pudor a quem não eram capazes de dominar.
É por isso com espanto que acompanho a súbita indignação da classe política bem instalada contra meia dúzia de energúmenos numa “caixa de segurança” a dar uma “dura” ao primeiro ministro, como se estivessem à porta do estádio em dia de derrota a gritar “palhaços, joguem à bola”.
Uma vaia pública à jovem promessa que afinal é uma mentira, a impaciência com o ponta de lança perdulário, a exigência de demissão do treinador teimoso e uma tarja ofensiva reduziram Galamba, o ministro da Educação e o Primeiro Ministro, bem como a jornada gloriosa do 10 de Junho, a apenas mais um dia no peão do topo norte para esta claque, perdão, para esta classe dos profissionais do protesto, outrora conhecidos como sindicatos.
Para quem tivesse acabado de sair de uma bolha, onde conviveu apenas com civismo e respeito, mesmo na discordância ideológica, a javardice na comunicação das arruadas assumiria realmente foros de escândalo. Mas, pelo contrário, eles andam por aqui desde sempre: ouviram, viram e leram e fizeram questão de ignorar.
Foi a “classe política“, incluindo o sector dos moralistas jurídicos instalados nas instâncias de supervisão, que, por omissão ou inação, deixou crescer o monstro da arruaça e da coação que sequestra agora a sociedade democrática, ao admitir os excessos no futebol como um “válvula de escape” para as agruras da vida.
Cabeças de porco há muito voam nos estádios, como metáforas eruditas, e afiguram-se apropriadas para o ajavardar intelectual da política, como defende o distinto professor de arte, estética e semiótica que concebeu o cartaz “polémico” da Régua. Espete-se-lhe um lápis num olho, dê-se-lhe uma tonalidade escura e uma palavra de desordem - e aí está a coreografia perfeita: “é ganhar, car********!”
Nada de novo, portanto. Como dizia um treinador cujo nome não me assiste: habituem-se!

FOTO José Coelho/Lusa

EFABLAÇÃO (34)

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“A sheet full of bull shit to cheat on us all.”

O "mundo desportivo", velha escola de jornalismo e desportivismo nos anos da iliteracia salazarenta, ficaria envergonhado com a vulgaridade a que se reduziu a conversa entre os doutores e engenheiros que pululam nas televisões a pretexto das suas frustrações futeboleiras, fomentadas por chicos metidos a espertos.

Qualquer merda mal traduzida serve para atirar ao ventilador da instigação e do ódio.

Como se desenvolverá o julgamento de Vlachodimos, o suspeito do último crime, alemão de nacionalidade, grego de origem, com aquele sotaque ciciado característico dos helénicos, espécie de beirões da Europa?

‘Herr Ody’, queria dizer que a nossa equipa era uma merda? Ou que faz batota? Ou referia-se à folha com o onze para o jogo?

E por que referiu “these” se a dose era “those”?

Este é sem dúvida um caso estimulante para a arguição dos advogados, dificilmente vitoriosa em juízo entre gente que se orgulha de trocar os bês pelos vês, os alarbes pelos vurros, ou os ões  pelos ons, os morcons pelos mourões.

Todos sabemos que não passa da enésima tentativa dos biltres de serviço de impor, hipócrita e risivelmente, como prenuncio de sorte, a pronúncia do norte, o sotaque como adn, a palavra como veneno.

Eu gosto. 

Mais fonética do que semântica, mais ronha do que renha.

Por exemplo, há quem chame “coreografia” ou “cântico” às performances dos tatibitates xexelentos de bancada. 

E há quem confunda informação com achavascado, diretor com estólido. 

Agrada a uns, irrita outros, incomoda quase todos - dos ignaros aos crânios, passando pelos ordinários.

Que texto besta.

Que cerdo desonesto.

E, sim, bardamerda para a conversa.

Como dizem os mais educados ingleses com sotaque das terras altas: “for cough”. Com k.

 

FOTO twitter

EFABLAÇÃO (33)

Está a começar oficialmente a época maluca dos negreiros da bola, para alívio de editores sem acesso aos protagonistas do futebol e com dificuldade em matar o vício aos adeptos dependentes de novidades enquanto o esférico não recomeça a rolar.

“Querem informação? Comam chouriços!” - é o princípio que norteia, em 99 por cento dos casos, a concepção, produção e apresentação do “noticiário”, acompanhado de comentários e estatísticas promocionais, sobre os mercadores do futebol, os caixeiros-viajantes dos clubes e as últimas promoções dos catálogos Transfermarkt.

image.pngNo Twitter circula uma compilação de 79 nomes de jogadores estrangeiros que nas últimas semanas foram associados ao Benfica por pelo menos um meio de comunicação - espécie de prenúncio de um verão cheio de lixo mediático e pasto à especulação. Um sinal de que as secções de enchimento de “chouriços”, um legítimo e tradicional ramo do jornalismo de vão de escada, laboram freneticamente.

A “febre dos reforços” do Benfica está tão quente que os experts até competem no campo dos desmentidos. “Já dissemos em primeira mão e dois dias antes da concorrência que o negócio de Kerkez já não se faz” - ufanava-se um “mercadista” numa das televisões líderes de audiências, que tenta dar à banha da cobra a imagem de um perfume de “grife”. 

Dos primeiros tempos da actividade dos agentes do futebol, a que se dava o imponente nome de “empresários”, recordo os cuidados que tínhamos antes de libertar um nome e do pânico da descredibilização, do jornalista e do meio, no curto período entre a notícia, - geralmente creditada a fontes identificadas, tão reduzido era o número de agentes - e o anúncio confirmador. Hoje, um nome atirado ao ventilador das manchetes desportivas, nos jornais e nos espaços audiovisuais dedicados ao assunto com “especialistas”, encartados ou não, tem a mesma idoneidade daqueles repórteres criminais, bem vestidos e maquilhados, que coscuvilham a partir da cena do crime “temos a informação, que ainda não conseguimos confirmar, de que…”

Vivemos o estertor do jornalismo, numa dimensão analógica do caos informativo que a Inteligência Artificial nos reserva para um futuro próximo. Esta comercialização desregulada da aldrabice futebolística, numa selva de promiscuidade entre intermediários e comunicadores, com a bitola das comissões a rondar já os 12 por cento, exige há muito uma intervenção superior, uma chancela de credibilidade que separe o trigo do joio e que, como o ovo e a galinha, afinal sempre existiu e é, até, mais velha do que a própria notícia: a fonte identificada.

Presumo que os títulos de “Zequinha na lista”, “Zecão no radar” ou “Zecaço referenciado” criem aos editores atuais a percepção valiosa e bem remunerada de satisfazer os clientes-leitores, transformando estes tempos de jornalismo moribundo em desesperadas feiras de sonhos e esperanças, sem respeito pela realidade - mas são em primeira instância um serviço ilegítimo ao comércio e aos seus especuladores, punível pela Lei de Imprensa. 

Como dizia Giordano Bruno, que morreu na fogueira da Inquisição por causa da obsessão pela verdade, “se non e vero, é ben trovato”.

 

IMAGEM Twitter (Lista de 79 novos jogadores associados ao Benfica) 

02 Jun, 2023

Também tu, José?

EFABLAÇÃO (32)

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Ontem a internet deu-me um vídeo com Cathy Freeman, Usain Bolt e Michael Phelps como perdedores, nas suas primeiras experiências olímpicas, com a moral de que para aprender a ganhar é preciso viver e entender a derrota:

“Quando perdes, a experiência é o prémio”.

Vê-los serem campeões olímpicos em Sydney, em Atenas e em Pequim, respectivamente, são tesouros do meu baú - nem fazia ideia que os três tinham alguma vez sido derrotados, pois só me lembro deles em poses douradas, de deuses do Olimpo.

Porque a última imagem é a que conta.

Ora, eu não gostava de me lembrar de José Mourinho como um perdedor, um mau perdedor, incapaz de assumir um pequeno percalço numa carreira de tantas vitórias, glórias e prebendas. Hoje, por causa de dois minutos daquela “loucura romana” que imortalizou Nero e Caligula, parece que o mundo inteiro se uniu para o censurar e que apagaram do céu a estrela que o guiou durante 20 anos como treinador especial.

“Quo vadis, José?”

Para onde estará Mourinho a encaminhar a energia no dealbar de uma veterania que se lhe nota muito mais no medo cénico das estratégias ultradefensivas, do que nas cãs de charme platinado que cultiva nas conferências de imprensa promocionais.

O que ele fez após a final da Liga Europa nas catacumbas do coliseu húngaro ameaça vinte anos de sucessos, conquistas e imposição do extraordinário registo resultadista sobre o vulgar legado estético do seu futebol, segundo o princípio discutível mas recompensador de que as finais são para ganhar. Custe o que custar.

Talvez por influência da tradição conspirativa no Capitólio romano, vejo agora em José Mourinho um César - que também se considerava especial, o “Divino Júlio” - “assassinado” por um Brutus desconhecido que habitava nele, bem mais perigoso do que os demónios patéticos que sobem de vez em quando à cabeça dos treinadores de futebol.

“Também tu, José?”, escreverá o Shakespeare de algibeira que um dia dramatizar, perdoem-me o pleonasmo, a vida deste imperador sem império, medalhado sem medalha, momentaneamente traído pelos deuses expiatórios das derrotas, os árbitros a quem não se importaria de dar um empurrãozinho da Rocha Tarpeia abaixo. 

A menos que, mais à grega olímpica do que à romana abrutalhada, também o José Mourinho grisalho ainda vá a tempo de entender o valor da prata de Budapeste.

 

FOTO IMAGO/PA Images/Adam Davy

HISTÓRIAS SEM INTERESSE NENHUM (8)

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Por estes dias, são inauguradas duas exposições de fotógrafos, de dimensões e alcance público díspares, mas aos meus olhos igualmente admiráveis.

Rui Ochoa, com quem trabalhei no Expresso, meu companheiro de estrada no Mundial de 1990 e de excursões europeias do FC Porto, exibe o seu extraordinário talento de retratista político, retina da história da Democracia, ao serviço da Presidência da República, durante décadas.

José Lorvão, companheiro de tantas aventuras no Record, mostra aos meus conterrâneos de Minde a sua incomparável estética desportiva, mais “esmerada” quando se tratava de atletas ou equipas do Sporting.

Ochoa e Lorvão são dois de muitos companheiros de vida, parceiros sacrificados e tantas vezes negligenciados nas reportagens, perante os caprichos dos repórteres, sempre prioritários no campo de acção, e tantas vezes vitimas da incompetência ou insensibilidade de editores que lhes amputavam a arte com menos cuidado do que teve o jardineiro de Antioquia ao amputar os braços à Vénus de Milo.

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Quando hoje vemos os canhões dos fotógrafos desportivos e os terabytes de informação que captam à velocidade de metralhadora para eleger “a” imagem, não imaginamos que estes profissionais poderiam ir para um “serviço” com uma ponta de negativo para meia dúzia de fotografias e, portanto, não podiam falhar momento, nem abertura, nem velocidade, nem enquadramento, como se todos os dias enfrentassem uma roleta russa.

Faziam impossíveis, sobretudo, na fotografia desportiva: hoje, devido à concorrência da televisão, dá-se pouco valor à foto documental, mas eu sou do tempo em que pobre do fotógrafo que chegasse à redação sem a imagem do golo decisivo - e fui testemunha de enormes momentos de solidariedade em que profissionais concorrentes trocavam negativos, às escondidas dos editores, para salvarem a honra e o emprego. 

Comecei com António Capela. Chamava-me “minderico” e apresentou-me aos maiores desportistas daquele tempo abrindo-me portas a entrevistas certamente inacessíveis a um deslumbrado estagiário de 20 anos.

Na Anop, conheci o Manuel Moura, o Alfredo Cunha, o Luis Vasconcelos, o Fernando Baião, o António Cotrim, o Valter Aguiar - certamente o “dream team” da fotografia, ao nível de uma redação que tinha o Carreira Bom, o Roby Amorim, o Fernando Carneiro, o Paixão Martins e os irmãos Pinheiro de Almeida na caça às notícias e na reportagem.

Na Gazeta dos Desportos, que me possibilitou o primeiro Mundial, em 1982, o Lobo Pimentel Junior, gigante do preto e branco, porque os dois mosqueteiros do futebol lisboeta, Capela e Nuno Ferrari, na verdade eram três. E o Óscar Saraiva, talvez o melhor de sempre a fotografar ciclismo, um homem muito bom.

Na Foot, aprendi a cor com um jovem que tinha o futuro escrito nas estrelas, o Rui Raimundo, discreto, sensível, rigoroso, trabalhador incansável, há quase 40 anos sucessor de Ferrari na travessa da Queimada. Ele, que vinha da escola do Offside, foi o primeiro a estimular a minha criatividade para o trabalho gráfico, que tanto me rendeu nos anos a seguir.

No Semanário Desportivo, o Carlos Vidigal, alfacinha rebelde, sempre pronto para qualquer chamada ou requisito invulgar, com faro para as notícias.

No Expresso, o António Pedro Ferreira, de outro campeonato, pela simbiose técnica com a sensibilidade visual, um poeta da fotografia, com quem aprendi a absorver emoções por trás da lente, como o calor emocional da queda do Muro, em Berlim, ou a frieza desarmante de um futuro treinador do Benfica, em Paris, que recusava ser fotografado do lado direito.

No Record, reencontrei o Francisco Paraíso, herdeiro da escola do Bairro Alto, que deu aos jornais a organização e a importância tecnológica que eram o calcanhar de Aquiles das gerações mais antigas, incapazes de programar, coordenar e arquivar o trabalho como editoria independente dos caprichos dos chefes de redação.

Lá, além do Lorvão, trabalhavam o Paulo Calado e o Miguel Barreira, profissionais premiados, um mais repórter de ação, o outro mais humanista, talvez os melhores deste século.

Pelo meio, corri mundo com o Artur Ferreira, glorioso maluco das corridas de automóveis e das cerimónias olímpicas, que me ensinou a escolher, num aeroporto qualquer, um portador de confiança que trouxesse para Lisboa o pacote de originais únicos de “linguados” datilografados e rolos de fotografias para a edição seguinte - expediente de transporte gratuito que nunca nos falhou.

E com o Carlos Alberto Matos, meu parceiro de vários anos nos playoffs da NBA e andanças olímpicas, com quem aprendi que não há impossíveis nem barreiras ao trabalho de um repórter quando o repórter quer realizar o trabalho - o único valor que contava nesta velha profissão ameaçada de extinção.

Ao lado de um repórter, mesmo medíocre, estará sempre um fotógrafo, quase sempre muito bom. Foi essa a minha sorte. 

Obrigado a todos.