O VAR e a política
Praticamente à mesma hora, o árbitro Rui Costa sofreu um bloqueio que o impediu de ver, não uma, mas duas faltas para grande penalidade na mesma jogada perto do fim do Sporting-Vizela e o ex-ministro Pedro Nuno Santos sofreu uma epifania que lhe recuperou a memória de uma gorjeta de 500 mil euros que inadvertidamente deu a uma desconhecida que se lhe atravessou ao caminho em duas empresas públicas que tutelava.
No futebol, procura-se repor a “verdade” (desportiva), recorrendo a mecanismos de escrutínio que vêm sendo apurados ao longo dos tempos e que nunca foram tão rigorosos como hoje, visando garantir o respeito pelo espectáculo.
Na política, procura-se encobrir a “mentira” (governativa), recorrendo a estratagemas ridículos que envergonham toda a sociedade e só nos fazem perder o pouco respeito que resta pelos protagonistas.
O futebol dá, portanto, um bom exemplo à política.
Aqueles que se queixam da corrupção, da batota e das conspirações dos bastidores desportivos pensem dois minutos sobre o que grassa na atividade política nacional, comparem um penálti “duvidoso” com uma violação de um PDM, uma expulsão “perdoada” a um “tackle” deslizante com uma derrapagem de milhões em obras públicas, uma contratação inflacionada por comissões abusivas a uma indemnização milionária sem justificação.
Seria recomendável um VAR implacável e interventivo para este jogo batoteiro entre o Governo e a Oposição, para o dérbi manhoso entre ministros e jornalistas, para o clássico mal cheiroso entre rosas e laranjas.
Sim, a política devia seguir o exemplo do futebol, mas temo que os próximos tempos nos tragam exactamente o contrário, ou seja, o futebol a imitar outro péssimo exemplo da política.
Em breve, o IFAB deve autorizar a sonorização pública das comunicações de forma a permitir a audição em direto dos diálogos com o VAR, mas essa exposição pode acabar por levar os árbitros a defenderem-se, perdendo naturalidade, imitando os políticos quando confrontados com os seus erros flagrantes:
- Não viste a mão do número 3 a agarrar o Coates?
- Não vi nada, não tomei conhecimento.
- Não viste o número 14 a dar um pontapé na cara do Paulinho?
- Não vi nada, não fui notificado.
- Ouviu-se em todo o estádio o grito de dor, não viste que foi pénalti flagrante.
- Não vi nada, não ouvi nada, não sei de nada, não tenho nada a ver com isto. O processo foi instruído pelos serviços competentes no cumprimento das normas aplicáveis.