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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

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CATARSES 1️⃣6️⃣

“Colored” e “olhos em bico” foram duas expressões que aprendi em 1966, por altura do histórico Eusébio versus Coreia do Norte. Eram usadas nos jornais que me ensinaram a ler, sobretudo o Diário Popular, como compreensíveis e lógicas, carinhosas até, sem vislumbre de xenofobia ou ódio. Era o “velho normal”.

Dos coreanos, dizia-se meio a brincar, meio a sério, que eram todos iguais, que todos se chamavam Park qualquer coisa, que talvez tivessem substituído os onze da primeira parte por outros onze ao intervalo e que podia ter sido isso, não a sua qualidade atlética nem o efeito surpresa, a provocar a eliminação prematura da poderosa Itália. Quando a “equipa da Disney”, como lhe chamou Otto Glória pela comicidade dos passinhos de corrida, vencia Portugal por 3-0 aos 25 minutos de jogo, esses eram os comentários que ouvia à minha volta: “olhem como eles correm, parece que são mais que os nossos e ao intervalo ainda vão trocá-los por outros iguais, isto não devia ser permitido!”

Mas a fé em Eusébio, aquele ‘sprint’ com bola pelo lado esquerdo até ser derrubado dentro da área, a frieza a marcar os penaltis, a tranquilidade corajosa, o cavalheirismo na vitória, a liderança natural e a classe insuperável tudo dissolveram, como uma barrela ao preconceito. A maior reviravolta da história dos campeonatos do Mundo, um recorde irrepetível!

Depois desse jogo, a desconfiança pela batota dos coreanos, que seriam cobaias do experimentalismo biológico dos druidas da RDA, deu espaço à soberba pelo triunfo de Eusébio, um pioneiro do mediatismo universal e que, verdadeiramente, foi o primeiro negro europeu a brilhar num Mundial, “chocando” os media de Inglaterra, cuja selecção só veio a ter o seu primeiro jogador de cor, Vivian Anderson, uns bons 14 anos mais tarde. 

“Colored” ainda foi uma expressão com que lidei, nos anos 80, na prosa de grandes mestres do jornalismo desportivo, como sinónimo de africano. Embora nunca mais associada a Eusébio, cujas proezas lhe valeram uma subida no elevador social na mesma medida em que o orgulho português em ser a primeira seleção “africana” a disputar um Mundial, também terá contribuído para aligeirar a imagem de um país colonialista aos olhos da Europa.

Acabou por sair do “futebolês” contemporâneo, ao contrário dos tais “olhos em bico” que continuam a piscar pejorativamente com frequência em textos impressos e oráculos de televisão, considerados discriminatórios pelos asiáticos e agora denunciados energicamente, como aconteceu há pouco tempo na China com anúncios de poderosas multinacionais. 

Neste arco da vida da seleção de Portugal, de 1966 a 2022, da Coreia do Norte em que todos se chamavam Park e corriam como os bonecos da Disney, à Coreia do Sul de Paulo Bento tacticamente europeizada, nestes 56 anos que podem ser o tempo que demora a conquistar um campeonato do Mundo, temos testemunhado o progresso do humanismo e da natureza inclusiva do futebol, a única modalidade que se pratica em todos os países, apesar do conservadorismo retrógrado da FIFA.

O mundo mudou muito em 56 anos, é tão indecoro comparar formas de expressão outrora correntes que a política “woke” tornou incorrectas, como “recordes” futebolísticos em contextos competitivos absolutamente diferentes.

Afinal, eles são só pessoas, coreanos como nós. 

E Eusébio foi só uma pessoa, português como nós, filho de Dona Elisa do bairro da Mafalala, que marcou 9 golos num único campeonato do Mundo - um registo imbatível à escala nacional, porque o autêntico recorde de golos (13) pertence ao francês Juste Fontaine, outro africano, de Marrocos, que também nunca poderá ser batido.

Quis o capricho do calendário que o nono golo de Cristiano Ronaldo em campeonatos do Mundo possa acontecer frente a novos coreanos (do Sul), sem a pressão da qualificação, assim o cabeleireiro da FEMACOSA lhe aumente o volume piloso para um “fluffy hair” que não deixe passar mais cruzamentos de Bruno Fernandes. 

Mas o verdadeiro recorde que é preciso bater, o único que está em jogo neste Mundial do Catar, de forma a evitar que Cristiano Ronaldo acabe a enfileirar na galeria de Eusébio, Cruyff, Zico e Platini, gigantes que não conseguiram erguer a Taça do Mundo, é o 3.º lugar de 1966, conquistado graças a uma vitória cheia de golos sobre a Coreia (do Norte). 

Bate lá este recorde, Cristiano! Tu bates bem…

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CATARSES 1️⃣5️⃣

Se a etimologia gótica do nome Fernando [Fardi+Nand] estiver certa e realmente significar “pronto para a viagem”, como me diz a sábia internet, terei desvendado o mistério da ousadia do sócio-gerente da FEMACOSA ao propor-se, com a benção de todos os Santos, só regressar a casa depois da final do Mundial, como já fez no Europeu de 2016.

Os Fernandos heróicos ocupam um lugar especial no coração dos portugueses. Fernando de Bulhões, o Santo António de Lisboa, D. Fernando I, o Rei Formoso, primeiro grande diplomata e reformista agrário e tributário, Fernão Lopes, o patrono dos cronistas, Fernando Pessoa, o poeta universal, Fernando Chalana, o pequeno génio, Fernando Gomes, o goleador cavalheiro. E, até, um Fernando selecionador, a edificar contra todos os oráculos e videntes, um património de troféus que vai pesar insuportavelmente nas costas de quem o herdar: “depois de mim virá…”

Todos fizeram extraordinárias viagens, foram campeões dos seus enormes desafios, exemplos para gerações e gerações. E do primeiro Fernando que se conhece, um nobre do Condado Portucalense que viveu dois séculos anos antes de Afonso Henriques, descenderam os cerca de 300 mil Fernandes dos nossos dias que constituem uma das maiores famílias patronímicas - o mais famoso dos quais é hoje o número 8 da seleção de Portugal, Bruno Fernandes, a extensão em campo do treinador Fernando.

Para quem acredita na generalização das personalidades por efeito do nome ou em função astronómica do dia e hora em que se nasce, estaria escrito nas estrelas o sucesso das arábias de Bruno Fernandes, legítimo novo Conde de Portucale, nascido na Maia, portanto natural sucessor do “Lidador”, o herói que, segundo a lenda, morreu na luta contra os mouros.

“Batalhador incansável, equilibrado e determinado, que leva até ao fim tudo o que começa”, diz a matriz dos Fernandes. “A sua persistência faz com que consiga quase sempre resultados positivos”.

Por estes dias, chegou-me a história dos primeiros sete meses de Bruno Fernandes em Itália, vivendo em retiro na academia do Novara para poupar os escassos 50 euros que a mãe lhe pôde dar para a viagem em busca do sonho que decidiu empreender no final da adolescência. Não tinha dinheiro, mas tinha vontade - e isso bastou-lhe. Estava tão pronto e seguro de bolsos vazios como está hoje, milionário e reconhecido, mas humilde que baste para aproveitar as boleias no avião do parceiro a quem paga com subtis retoques no penteado.

Se juntarmos a proverbial tendência “esperta, culta e audaciosa” dos Fernandes, ao significado de Bruno, outro nome germânico que quer dizer “polido, com lustro”, descrevemos uma personalidade de pioneiro com grande visão, que explica esta afirmação como líder de dimensão mundial, com participação decisiva em quatro dos cinco golos de Portugal no Catar. 

Bruno Fernandes cresceu à margem dos sistemas de formação dos grandes clubes portugueses e das seleções jovens, ao contrário de quase todos os nascidos em Portugal que estão em Doha, e foram essas qualidades de autodidata que lhe permitiram aprender a falar italiano, castelhano e inglês tão fluentes como todos os segredos da função de centro-campista moderno, entre o “trequartista”, desenvolvido em Itália, e o “box-to-box” universal que é hoje. 

As mesmas esperteza, cultura e audácia a que apela para transformar os penáltis que o guarda-redes Antony Lopes, colega da seleção, ontem etiquetou como “impossíveis de defender”. Se Panenka não tivesse existido, estaria por estes dias a reclamar um novo penálti de autor que talvez o marketing social não lhe reconheça, por falta do efeito surpresa. Mas um dia será estudado: o penálti à Panenka qualquer um pode marcar, é apenas uma “cavadinha” a direito e defensável; o penálti à Bruno Fernandes exige uma coordenação motora e um domínio dos nervos muito especiais, com efeito desconcertante e praticamente infalível.

Com 28 anos, antes de se tornar num treinador esperto, culto e audaz como sugere a facilidade com que comanda as operações dentro do campo, Fernandes, o “afilhado” de Fernando, ainda está a tempo de compor um currículo ao nível da sua qualidade, por enquanto deficitário por causa das escolhas menos criteriosas de clube, que foi fazendo. 

Bruno Fernandes só ganhou até agora uma Liga das Nações, por Portugal, e uma Taça de Portugal e duas Taças da Liga, pelo Sporting - muito pouco para tanto futebol.

 

FOTO Sapo/AFP

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CATARSES 1️⃣4️⃣

“A seleção de Portugal é como a tourada à portuguesa: não mata o touro, apenas o humilha”.

Esta frase tem quase 40 anos, foi escrita no ‘L’Équipe por Victor Sinet, o jornalista que eu gostava de ter sido, e manteve-se atual ao longo de décadas de sol e sombras, “pasodobles” e voltas à arena, mas também muitas broncas e lenços brancos à espanhola, a adiar sempre a estocada final para futuras praças e feiras.

No futebol, para ouvir música, também não basta derrotar o adversário, é preciso fazê-lo com nota artística, que o público é exigente e difícil. Recorro à “Tourada” de Ary dos Santos como metáfora do Mundial: “Entram empresários moralistas, entram frustrações, entram antiquários e fadistas e contradições, entra muito dólar, muita gente, que dá lucro aos milhões”.

Como ontem, frente ao Uruguai, na monumental “plaza mayor” de Doha: triunfo de poder a poder, dinheiro em caixa, mas ainda sem direito a volta de honra. 

Primeiro, uma lição paciente de brega, ao longo dos 45 minutos iniciais, frente a um adversário bravo e desembolado, lidando o manhoso a toda a largura, roubando-lhe a bola, cansando-o, desmoralizando-o, numa jigajoga sem balizas e monótona, que, no entanto, deixou o Uruguai bem picado. 

No segundo tércio, finalmente, um ferro comprido, numa sorte sesgada com a maestria de Dom Bruno Fernandes, o cavaleiro puro-sangue lusitano, cuja arte de colocar a bola na ponta da melena de Cristiano Ronaldo baralhou os “inteligentes” da FIFA, na hora de escolher a música para o matador. Um golpe nos cachaços dos galifões Coates e Godin, derrotando-os no mano a mano e desfraldando a bandeira vitoriosa das cinco quinas.

Depois de alguns derrotes perigosos, livrados pelos forcados de Dom Pepe, com as mãos firmes do pegador Diogo Costa, algumas bandarilhas de esperança e várias tentativas falhadas de burlar o Uruguai, a faena culminou, finalmente, numa cernelha salteada como castigo máximo.

Lá está: Cavani e Darwin, os marialvas mais nobres do Uruguai, sairam com a humilhação da derrota, mas, curiosamente, não eliminados. A raça celeste ainda sobrevive, embora moribunda, em cartaz para uma terceira peleja, essa sim à “muerte” frente ao Gana.

Não foi uma lide grandiosa, mas foi um triunfo. Portugal avança no festival do Catar com as mesmas farpas e o mesmo “bamboleo” de sempre, entre a dança e o tropeço.

O apoderado FEMACOSA já pode treinar as sortes para os oitavos de final, mantendo a briosa determinação em sair pela porta grande de dia 18 de dezembro, a ouvir a banda do Samouco e aos ombros dos que hoje ainda teimam, mais nos camarotes do que nas barreiras, em não lhe aplaudir a “arte” dos bons resultados.

O futebol da seleção não justifica olés, mas é bravo e castiço. Merece que os cépticos e críticos lhe concedam a alternativa da confiança, ainda que temporária, tal como os que não gostam de touradas, como eu, reconhecem a mestria artística dos cavaleiros portugueses. 

Como cantou o poeta, que a seleção continue a tourear, ombro a ombro, as feras. Porque tudo o mais são tretas.

 

FOTO Sky Sports

CATARSES 1️⃣3️⃣

Ainda mal refeito das inesperadas exibições de Antoine Griezmann como “meneur” de jogo da França, entre dois médios de cobertura e três avançados a ser o melhor jogador da primeira semana do Mundial, apareceu-me Bernardo Silva a revelar que o seleccionador lhe dá autonomia para actuar onde e como entender.

As minhas primeiras reações foram de não acreditar numa coisa nem noutra. Mas, de facto, Griezmann assumiu com mestria uma posição de diretor de jogo dos campeões do Mundo e o chefe da FEMACOSA corroborou a revelação do médio português durante a sua “aula” aos jornalistas na véspera da partida com o Uruguai: “tem liberdade total”.

E fez-se luz. Qual epifania, estava ali a solução para aquela frustração crónica que me matraqueava a cabeça após cada jogo da seleção, para dissolver aquela sensação de que, fosse qual fosse o resultado, faltava sempre qualquer coisa, para, enfim, satisfazer aquele desejo por “outro patamar” exibicional ao nível de um conjunto de atacantes de classe mundial.

O pequeno “je ne sais quoi” que falta na seleção de Portugal é, muito singelamente, a reinvenção do Bernardo Silva de sempre à dimensão do Griezmann de agora. E, assim ele queira, porque pode, vamos já hoje ver a transformação do humilde Smart em extravagante Corvette - que os carros que conduzem revelam muito sobre a personalidade de cada um. 

Fui ver o que dizem especialistas sobre o francês e a discrição genérica assenta à medida no português, como se fossem gémeos falsos: “jogador versátil, pouco atlético, mas rápido a pensar e a executar, tecnicamente evoluído, excelente na construção ofensiva, no passe, que pode actuar como médio de ataque, extremo, falso 9 ou segundo avançado”.

Voilá!

Se Antoine Griezmann, que até podia defender Portugal como Raphael Guerreiro, está apenas a uma assistência de igualar Thierry Henry e ultrapassar Zidane como o jogador com mais passes para golo na história da seleção gaulesa, Bernardo Silva deveria ser, hoje também, o recordista da seleção nessa função fundamental. Mas está tão longe do topo dessa tabela como distante da frente de ataque em campo.

Portugal foi desenvolvendo nos últimos anos tantos médios defensivos, trincos profissionais, retranqueiros coriáceos, “duplos pivôs” (nunca pensei que um dia escreveria esta insanidade linguística) e todo o género de tutores e zeladores defensivos, que este sacrifício generoso mas patético de Bernardo Silva andar a correr atrás da bola e dos adversários a 50 metros da baliza se me afigura um autêntico atentado às ambições da seleção. 

Não haverá por lá quem possa dar o corpo ao manifesto, inclusive com maior eficácia defensiva, e lhe garanta a liberdade e o espaço para pegar na bola e fazer jogar a equipa, como asseguram Tchouameni e Rabiot no esquema inteligente da França?

No Mundial, só empatam em toques na bola, 75 para Griezmann, 76 para Bernardo. Mas como explicar que o português praticamente só apresente zeros na estatística de ações ofensivas do jogo com o Gana e o francês já some cinco grandes oportunidades criadas (com uma assistência), nove passes-chave, quatro cruzamentos precisos?

Eu pensava que era culpa do treinador. Afinal, dizem-me que é responsabilidade do jogador que deve escolher o que for melhor para a seleção, em função “do que o jogo pede”.

“Se a equipa precisar mais de mim no apoio aos jogadores da frente…” Se precisar? Meu caro Bernardo, não só precisa como também dispensa completamente o que tem andado a “escondê-lo”, o desperdício de talento em trabalhos defensivos inglórios, tarefa muito nobre, mas pouco inteligente e contra-natura. 

 

FOTO Getty Images

 

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CATARSES 1️⃣2️⃣

Se ninguém pode esperar que algum jogador faça 9 dribles, 9 cruzamentos ou 9 remates num jogo, também não devia ser possível, nem admissível, que sofra 9 faltas ríspidas em 79 minutos, como aconteceu a Neymar no jogo de estreia do Mundial, perseguido pelas gárgulas da Sérvia.
Da dureza de uma “falta necessária” - como a justificou o novo inimigo público n.º 1 dos brasileiros, Nemanja Gudelj - resultou uma entorse grave nos ligamentos do tornozelo que o afasta das próximas duas partidas do Mundial e um prejuízo inestimável para o Brasil e para o próprio campeonato.
Isto é cruel: Mundial sem lesão grave de Neymar é como Carnaval do Rio sem violência.
Pela terceira vez, sofre grave trauma impeditivo em campeonatos do Mundo, bem como na Copa América de 2019, e é impossível dissociar estes azares crónicos de uma grande quota de responsabilidade pelos insucessos do “escrete” na perseguição ao “hexa”, a começar pelos 7-1 da meia-final do Brasil-2014, que teve de ver da bancada, impotente, por causa de uma joelhada assassina do colombiano Zuñiga, que ainda hoje tem a cabeça a prémio em Fortaleza.
Em estado de choque, a torcida esconjura a fatalidade com a desconfiança de quem se sente perseguido e injustiçado: ao Messi e ao Cristiano, dizem numa tv, os adversários não fazem batidas como ao Neymar!
Percebe-se a revolta, a denúncia de conspiração, apesar de a razão mais plausível ser a forma de jogar do brasileiro, viciado no drible, na firula e na “provocação”, em contraste com o sentido prático, linear e de menor exposição ao perigo do argentino ou com a fortaleza atlética do português.
Neymar aposta no “chega mais” brasileiro, na vertigem do risco, como moleque que se recusa a crescer. Messi e Cristiano são de outro coturno, sabidos e calculistas, aprenderam a antecipar as ameaças e a escapar à maioria dos contactos. Messi e Cristiano são caçadores, Neymar é presa.
No Mundial da Rússia, tornou-se Ney-même, pelo número absurdo de quedas, mergulhos e trambolhões que forçou ou a que foi forçado, gerando dúvidas metódicas, retratadas em inúmeras “insónias em carvão” sobre a verdade e os truques dos seus desequilíbrios. Dúvidas que foram plantadas no cerebelo de juízes e algozes, germinaram e dão “fruta” à discrição até hoje, o que explica, parcialmente, a indulgência de uns e a impunidade dos outros.
O Neymar caiu? Ah, está bem, levante-se, siga, siga. Com a Sérvia, foram nove faltas (num total de 12) e mais três ou quatro escaparam no crivo. Convenhamos, uma falta sofrida a cada dez minutos não é jogo, é martírio.
Este número é superior aos de Maradona, que detém o recorde das três maiores médias de faltas sofridas em Mundiais (em 1982, 1986 e 1990), sempre acima das 7 por jogo: no primeiro acabou expulso quando se fartou da marcação impiedosa e se vingou no brasileiro Baptista, no segundo sobreviveu à perseguição de ingleses, belgas e alemães e no terceiro acabou a disputar a final ao pé coxinho, com uma lesão igual a esta última de Neymar, o que custou o terceiro título à Argentina.
Neymar podia ser o melhor jogador brasileiro depois de Pelé e Zico, talvez acima de Ronaldo Fenómeno, e teria tido uma carreira inolvidável se lhe fosse possível conjugar o talento com a integridade dos membros inferiores, mas desde que chegou a Barcelona em 2013, sofreu 24 lesões, dez das quais traumáticas em ambos os pés. Só nas últimas cinco temporadas esteve de baixa 598 dias: impedido de jogar em um de cada três dias e, mesmo assim, chegou a este Mundial ainda como membro emérito do triunvirato de honra.
É muito azar, há que desconfiar de tanto azar!
Se à FIFA interessasse tanto a saúde e a aptidão física dos atletas como interessa a segurança das contas financeiras, já teria promovido um Fair Play Verdadeiro, uma regulação sob o pungente mote “Deixem jogar o Neymar”, pelo rigor do jogo, pelo castigo exemplar, por exemplo suspendendo o agressor enquanto a vitima estivesse impedida, de modo a inibir a brutalidade dos sérvios desta vida contra os tornozelos dos protagonistas.
Foi feito algo há 30 anos para proteger os tendões de Aquiles, agora esperemos que não seja preciso van Basten “morrer” de novo.
O mal está feito, resta aguardar o restabelecimento do garoto paulista, que promete voltar nos “oitavos”, quem sabe se frente a Portugal, pois “brasileiro, com alma de guerreiro, não cansa de lutar”, como diz Seu Jorge, o cantor: “tropeçando e levantando, sempre com você”.
 
FOTO CNN/Getty Images

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CATARSES 1️⃣1️⃣

Ver Carlos Queiroz atirado ao ar pelos jogadores do Irão, glorificado como herói “globetrotter” de uma causa que mobiliza todo o mundo, é mais um marco no processo de afirmação dos treinadores portugueses. E consegui-lo como resgate de um regime menor no futebol, pária da ordem internacional e repressor dos direitos humanos, é ainda mais admirável, exaltando o seu inconformismo de guerreiro quixotesco.

Ao vê-lo enfrentar olhos nos olhos a hipocrisia da BBC, que elegeu por estes dias como “inimigo” catalisador nas salas de imprensa do Catar, lembrei-me da relação tempestuosa que tentou manter comigo, por causa de uma crónica de um jogo do Sporting, na qual terei apontado algum defeito ou descuido. 

Já no início de carreira buscava a motivação conflituosa, “à Pinto da Costa”, como ele dizia na altura, em versão académica do contra tudo e contra todos. Há 30 anos, colou o jornal na parede do balneário e usou-o como instigação dos jogadores - numa evidente falta de noção, ou de noites bem dormidas, entre os diversos desvios de atenção que acabaram por custar um campeonato ao melhor plantel do Sporting dos últimos 40 anos. 

Numa conferência de imprensa em Doha humilhou a repórter da televisão inglesa, Shaimaa Khalil, perante dezenas de câmaras móveis para iraniano ver - caprichado em “mind games”, dez anos antes de Mourinho, como frisaram velhos “compagnons de route” tão diferentes como o alemão Jurgen Klinsmann ou o colombiano Alexis Garcia: “encaixa bem na cultura do Irão” ou “a capacidade de convencer os jogadores a serem protagonistas foi a chave do triunfo sobre Gales”.

Carlos Queiroz foi um revolucionário, o primeiro professor a desbravar uma profissão exclusiva de ex-jogadores, pioneiro de uma mudança científica e estrutural que lançou as bases para tornar Portugal no pequeno país mais influente do futebol mundial. Cozeu o seu temperamento intransigente com o estudo laboratorial e o primado do treino e do espírito de equipa, num caldo de cultura de desafio destemido, sempre impulsionado por causas fracturantes, contra todos os fautores de influência negativa, fossem políticos burocratas, dirigentes incompetentes, jornalistas críticos, até, claro, adeptos fartos de polémicas estéreis, por vezes histéricas.

Um espírito inquieto, incompreendido, às vezes incompreensível, obcecado com o controlo da equipa e de tudo o que a rodeia, comandante supremo, ditador de costumes, juiz em causa própria, máquina de lavar os cérebros dos jogadores, capaz de varrer numa simples palestra as marcas de uma derrota copiosa como os 2-6 da estreia no Catar. 

Ou seja: um autêntico Ayatollah do sagrado balneário, responsável até pela “play list” da banda sonora dos estágios, desde as guitarradas do fisioterapeuta Catoja à adaptação de John Lennon (“give the dream a chance”) que inspira a actual seleção iraniana, passando pelo balanço inovador do “hip hop” dos Black Eyed Peas em 2010.

Conduziu Portugal a campeão do mundo de juniores por duas vezes. Realizou trabalhos marcantes no Japão e nos Estados Unidos. Foi um humilde Sancho Pança na melhor fase de Alex Ferguson no Manchester United. Ergueu a seleção da África do Sul. Levantou e voltou a levantar a seleção do Irão, incorporando o espírito do “Team Melli” (Equipa do Povo) e tornando-se num caso raro de treinador a qualificar três países diferentes para o Mundial.

Mas quando chamado a exigências de primeira linha (Portugal duas vezes, Sporting, Real Madrid ou, recentemente, Colômbia e Egipto), com o desconforto de ter de olhar as competições e os adversários de cima para baixo, faltou-lhe a frieza do matador.

Passar da facilidade da contestação à pressão de trabalhar sem margem de erro é-lhe fatal, ao deixar-se emaranhar pela compulsão egocêntrica, quase fundamentalista, e pela vanidade do reconhecimento que o fizeram perder as estribeiras e o foco - as “porcarias” da Federação, os mexericos de Santana Lopes, os caprichos dos Galácticos de Madrid, o assédio madrugador dos médicos anti-doping, os chistes do meu amigo Jorge Baptista, a prepotência dos colombianos, enfim, invariavelmente envolvido em querelas menores para acabar derrotado pelos desafios maiores.

Não passou ao lado de uma boa carreira, porque atingiu e mantém uma dimensão mundial, mas podia ter sido o maior treinador português de sempre. E não será.

 

FOTO Getty Images

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CATARSES 1️⃣0️⃣

Esta relação dos portugueses com cada jogo da seleção da FEMACOSA lembra o envelhecimento de um namoro apaixonado, que precisa de se revigorar: o amor está lá, em fundo, incondicional, mas os arrufos são constantes e acabam por provocar o desgaste que adia sempre para o próximo jogo a noite perfeita e memorável.

Ai, que bem defende o Diogo Costa. Bolas, meu rico Rui Patrício.

Este João Cancelo é o lateral mais perfeito do Mundo. Caramba, mas ao Diogo Dalot não há medo que assuste.

O Danilo desfila com a elegância de uma “passerelle” parisiense. Chiça, não há segurança como a simplicidade de processos do António Silva.

O Rúben Neves dá equilíbrio e estabilidade. Mas o Palhinha tem mais força e agressividade.

Como é estimulante a irreverência frenética do Otávio! Sim, mas prefiro os movimentos lânguidos do William Carvalho.

Cristiano Ronaldo, aos 37 anos, emocionado e motivado como se fosse a primeira vez, continua a bater recordes. Chega, é preciso sangue novo!

E assim, na estreia fácil do Mundial, com mais asseio do que nódoas, a nossa paixão assolapada pela seleção espoleta cinco ou seis focos de discussão parva, com deleite sofrido, que nos impede de celebrar a vitória importante num prolongado abraço e sem amargos de boca.

Metade de uma equipa vencedora sob escrutínio? Que exagero! Que nível de exigência absurdo!

Quando podíamos e devíamos desfrutar da estética de Bernardo Silva, da geometria de Bruno Fernandes, da sensibilidade de João Félix ou do exotismo de Rafael Leão, ficamos apreensivos perante o canto dos velhos e caquéticos cisnes uruguaios, Suarez e Cavani.

Porquê?

Pelo desgaste de uma longa relação minada por frequentes decepções, por deslizes de atenção que estragaram belos momentos e, sobretudo, por repetidas escolhas inadequadas ou desfuncionais dos figurinos e das estratégias. 

Sem esquecer aqueles sinaizinhos insignificantes que o tempo transformou em verrugas medonhas, como a gestão empresarial da Federação que se permite ter uma equipa técnica em regime de “outsourcing” e nos faz desconfiar de segundas intenções não essencialmente desportivas, por tudo e por nada.

O desejo por encontros dignos das mil e uma noites das Arábias mantém-se para a semana que vem. Talvez um ritmo mais intenso, constante e caloroso na função, com incidência na concentração e na agressividade defensiva, liberte as endorfinas que os portugueses insaciáveis precisam para apenas desfrutarem do prazer, sem reservas, quando saem à noite com a seleção.

 

FOTO UOL/Getty Images

24 Nov, 2022

Arigato, Alemanha

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CATARSES 9️⃣

Agarrem-me, que eu sou um émulo compulsivo dos lugares-comuns da linguagem da bola e recuso-me a repetir aquele chavão que todos conhecem, inventado após a agónica meia-final de Turim, em 1990, por Gary Lineker, um excepcional jogador que se tornou ainda melhor jornalista.

Não vou dizer a tal frase que o mundo repetiu triliões de vezes nas últimas horas porque até desconfio que os alemães nem sequer têm, desta vez, os onze jogadores que são precisos para concretizar a profecia do inglês. 

Quando vi as substituições de Herr Flick, não consegui reprimir um “Allô”, primeiro pelo Fullkrüg, que só me faz lembrar o tempo dos “panzers” mas não chega aos calcanhares do Hrubesch bom gigante, seguido de outro “Allô” quando entrou o Mário Goetze, cheio de remendos e em final de prazo para consumo, como uma prova de que até os calculistas alemães, quando estão à rasca, acreditam em milagres de velhos heróis providenciais.

Atenção, que vou dizer isto só uma vez: pobre Musiala, que só tem 19 anos e caiu nas entrelinhas da menos fecunda geração de que me lembro, apesar da dimensão de Gündogan, da experiência de Neuer, Kimmich e Muller e dos fogachos de Gnabry e Havertz.

Bem podem esconder a cara porque aqueles últimos 20 minutos sem o jovem prodígio foram caóticos e de impotência perante as “blitzkrieg” dos japoneses, a varrerem a extrema defesa germânica com a mesma rapidez, coordenação, trabalho de equipa e eficiência com que os seus adeptos deixam as bancadas limpas e arrumadas no final de cada jogo.

A Alemanha do futebol, onde pontificam o excepcional Kamada e os marcadores dos golos, Doan e Asano, já devia saber que o Japão do futebol é hoje muito mais do que aquele grupo de corredores “kamikaze” que provocavam alvoroço nas defesas contrárias mas acabavam invariavelmente abatidos pelas anti-aéreas, em batalhas passadas, incluindo as de Yokohama em 2002. Não é à toa que os baptizaram de Brasil do Extremo Oriente, venerando e agradecendo à influência de Zico, Miura e de centenas e centenas de jogadores e treinadores brasileiros que tornaram o futebol nipónico mais do que uma potência regional.

O Japão joga incomparavelmente mais e melhor do que a Arábia Saudita, que os mestres do lugar-comum também já chamam de Brasil do Médio Oriente, e, por isso, a Alemanha ficou numa situação mais apreensiva do que a Argentina, condenada a uma final antecipada com a Espanha debaixo de um alarme permanente de bombardeio.

Logo após o jogo, alguns amigos soltaram nestas redes sociais, tão escancaradas ao exagero como a baliza da Costa Rica, uma “vendetta” jornalística contra a classe dominante dos comentadores televisivos, classificada pomposamente de “malta das entrelinhas”. O Japão, cordato, respeitador e tradicional, tornava-se porta-bandeira do futebol clássico, puro e duro, sem baias tácticas nem preconceitos estratégicos, como um exército de soldadinhos Nemtiki e Nemtaka, contra o jogo formatado.

Só faltou ao fim do dia a merecida vitória do Canadá sobre a Bélgica para algum destes proscritos na reforma soltar o mais profético bordão do “freitaslobês”, que Mark Twain teria seguramente achado tão exagerado como a “morte” da Alemanha: “depois disto, não há mais nada”.

A coragem dos jogadores alemães em afrontar a FIFA pela melhor razão do Mundial reduziu a dimensão e o impacto das críticas ao colapso físico e táctico dos oficiais do senhor Flick. Ou por isso ou porque muitos, como eu (confesso!), a vaticinaram para vencedora de mais este campeonato, e que, mesmo com menos de onze craques e sempre contra mais do que onze adversários de qualidade, japoneses ou espanhóis, no fim, pelo menos frente aos costa-riquenhos, ganha a “Mannschaft”.

Pronto, não disse! 

Arigato!

 

FOTO Record/Reuters

 

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CATARSES 8️⃣

Não é por causa de um jogo que a ordem futebolística mundial vira do avesso, mas a vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina será vista no futuro como um ponto de mudança, o marco para um a.C. e um d.C., o antes do Catar e o depois do Catar. A Arábia Saudita nunca será uma grande potência futebolística, mas deveremos passar a vê-la como uma fonte inesgotável de dinheiro a financiar a visão de conquistar politicamente o mundo (também) através do Desporto.
Está em marcha há sete anos a Saudi Vision 2030, que consiste em mudar o paradigma social dos sauditas, melhorando o seu estilo de vida, nomeadamente através do incremento do acesso ao desporto, com as melhores infraestruturas e os melhores profissionais, com três eixos de influência: divulgação, investimento e performance. Entrou neste pacote a contratação de treinadores, com um determinado currículo, mas de segundo plano, como Jorge Jesus ou Leonardo Jardim, que já levou o Al Hilal a campeão da Ásia em 2019 e 2021, de jogadores com idêntico perfil “periférico”, como Talisca, Marega ou Matheus Pereira, a aquisição de clubes europeus, grandes mas não muito, como o Newcastle, com potencial de crescimento, a construção pelas cidades das melhores estruturas desportivas e a colagem da imagem do nome do país a grandes eventos mundiais.
A aposta no golfe, por exemplo, já está a dar cabo da ordem mundial da PGA e do European Tour, com o LIV Golf a conseguir contratar alguns dos melhores jogadores, como Dustin Johnson, Phil Mickelson ou Sérgio Garcia, provocando um cisma de consequências catastróficas para a modalidade, a troco de mais de mil milhões de euros só no primeiro ano (apenas 8 torneios). Idêntico processo está em curso através do “fuelling” da Aramco na Fórmula 1, cujo eixo de influência se vem movendo progressivamente da Europa, restritiva e falida, para um Médio Oriente financeiramente desregrado.
Eles não estão preocupados por não existirem jogadores de golfe ou pilotos sauditas, mas acreditam que a associação aos melhores acabará por dar frutos. Enquanto vão considerando como “seus” aqueles a quem pagam, a evolução dos atletas locais será a derradeira consequência da aposta nos melhores, num país de quase 40 milhões de pessoas, onde a prática desportiva era de apenas 7 por cento.
A contratação de Cristiano Ronaldo pelo “Fundo de Investimentos”, a famosa máquina de “sportswashing” de Riade, a troco de mais de 100 milhões de euros por época, não pode portanto ser vista como inverosímil. Lionel Messi, o grande derrotado de ontem, recebe um balúrdio apenas como “embaixador do turismo” saudita.
Eles vão insistir durante o tempo que for necessário com os seus potes de ouro negro como fizeram com o golfe através da orientação de Greg Norman, o famoso “the Shark”, espécie de ícone deste tubarão do deserto comendo o mundo do desporto - a oferta a Tiger Woods, mesmo coxo e velho, já vai nos 750 milhões de dólares.
Estive uma vez durante duas semanas na capital saudita, no pós Guerra do Golfo, a cobrir uma das primeiras Taças das Confederações, com a Dinamarca dos manos Laudrup campeã europeia e, curiosamente, a Argentina de Passarella, campeã sul-americana. Quinze dias com todos os estrangeiros enclausurados num hotel de luxo francês e no estádio monumental do Rei Fahad, espécie de templo de mármore de Carrara no meio do deserto, vendo a CNN com cortes e lendo jornais europeus com três dias de atraso e censurados com graxa preta ou páginas rasgadas, a segregação das mulheres e o exacerbado culto religioso, numa cidade de arquitectura espectacular mas árida e sem vivalma. A Arábia Saudita ficou como o único país do mundo a que eu não gostaria de regressar, pois aquilo era a Idade Média transportada para um cenário futurista de Hollywood, completamente anacrónico, um atraso de vida quando comparada à ocidentalização dos minúsculos vizinhos, Kuwait, Barhein, Catar ou Emirados.
Mas agora ouço muita gente dizer que está a abrir-se ao Mundo, que tudo vem mudando e que até as mulheres têm ginásios para praticar desporto a recato dos mirones, podem conduzir um carro ou ver um espectáculo sem um tutor masculino.
Se em Casablanca, a Meca do ocidente, já é possível um católico visitar a Grande Mesquita, construída pelos sauditas à beira do Atlântico, até o turismo de “infiéis” na cidade santa eu admito como possível, algures neste século, com a quebra dos rendimentos dos combustíveis fósseis obrigando os árabes a descobrir o petróleo da centralidade política.
O Rei decretou dia feriado pela vitória sobre a Argentina, a assinalar o nascimento da era do futebol a.C. É evidente que o mundo do desporto profissional, como o do golfe e o da Fórmula 1, nunca mais será o mesmo.
 
FOTO Sports Illustrated/AP

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CATARSES 7️⃣

Ronaldo ou Messi?

Se a ideia é definir o melhor do Mundo num jogo de Xadrez como o do anúncio da Ferrari das malas, saibamos que aquela disposição das peças, mesmo sobre um tabuleiro irregular com 9 colunas, era de empate, sem saída para chegar ao xeque-mate sugerido por um caçador de “sound bytes” na conferência de imprensa a que o português se apresentou de surpresa.

A marca de acessórios preferida dos patos-bravos da bola realizou um genial golpe de “ambush marketing” por associação - que, para os patrocinadores oficiais da FIFA, terá o mesmo significado de uma banca da feira de Carcavelos -, com os dois melhores jogadores do mundo numa fotomontagem que pouco acrescenta ao prestígio de retratista de Annie Leibovitz.

A disposição das peças recria um “match” muito estudado entre o norueguês campeão do mundo Magnus Carlsen e o americano nascido no Japão Hikaru Nakamura, no Norway Chess de 2017. 

Carlsen jogou com as brancas, como Ronaldo, e Nakamura com as negras, como Messi. 

Carlsen e Nakamura empataram, mas o europeu venceu o torneio e o americano ficou em segundo - o que seria inspirador para um grande “match” de despedida, talvez sonhado pelos comerciais da FIFA, entre Portugal e Argentina, pela dimensão global dos dois G.O.A.T. do futebol.

Por alturas do Mundial da Rússia, alguém disse que "Cristiano Ronaldo é um excelente jogador de Xadrez, mas com a cabeça e os pés em todo o tabuleiro, movendo-se como a Rainha, em todos os sentidos e sem limites, pois sabe antecipar as jogadas e depressa encontra uma solução para os problemas”.

Esta conferência de imprensa, seguramente imaginada por um estrategista mais astuto do que quem o conduziu àquela armadilha do gambito do Manchester United frente a Piers Morgan, sem jornalistas ingleses nem perguntas incómodas, se fosse uma partida de Xadrez, passaria aos anais do jogo como a “Abertura Cristiana”. 

Uma sequência de pequenos ataques por um jogador sereno, calculista e seguro dos seus movimentos sobre os vários tabuleiros onde joga o futuro, incluindo o de por-se a salvo de algum “sacrifício de troca” que o deixasse no banco de suplentes, pela FEMACOSA, frente ao Gana.

A grande-mestre Irina Krush diz que os três pilares do sucesso no Xadrez são a conjugação do tempo com o espaço e a harmonia, sem nunca perder de vista a segurança do Rei. No fundo, o “timing”, que Cristiano Ronaldo invoca como exclusivamente seu, em conjugação com o espaço do Mundial e a harmonia da equipa, procurando não expor a Seleção. 

Mas uma predisposição psicológica que promete soluções e coragem, perante o maior repto da longa carreira, mostra-o apto e convicto, a fazer lembrar a legenda dos inesquecíveis diagramas de quebra-cabeças xadrezísticos de João Cordovil, no Diário Popular de há 50 anos:

“As brancas jogam e ganham”.

 

FOTO Louis Vuitton

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