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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

Uma surpreendente jogada de reposição de bola entre Vlachodimos e Ruben Dias no último jogo do Benfica frente ao Milan gerou uma discussão global nos últimos dias e deu enormes créditos aos laboratórios encarnados, apesar do resultado aparentemente pífio da iniciativa.

As cabecinhas pensadoras do Seixal tiveram boa intenção: toque do guarda-redes, devolução de cabeça pelo defesa e rápida reposição à mão para um lateral em corrida de contra-ataque, ultrapassando pela surpresa a primeira barreira do adversário.

Fica por saber, por enquanto, se o Benfica procura ressuscitar as reposições de bola longas, a que deixara de recorrer desde a saída de Ederson e que também caiu em desuso na generalidade das grandes equipas mundiais, devido à baixa percentagem de sucesso: apenas 30 a 35 por cento dos pontapés de baliza compridos não terminam em posse do adversário. Como, de resto, aconteceu com esta experiência, com Grimaldo a perder a bola e a não conseguir dar sequência ao lançamento do guarda-redes.

Assim, o resultado prático deste movimento, tendo jogadores com qualidade técnica para o executar em segurança tão perto da baliza, será completamente diferente, subvertendo a intenção do Benfica. A devolução ao guarda-redes dentro da grande área vai proporcionar-lhe cerca de 20 segundos de passividade, entre o agarrar, deixar-se cair, levantar-se, passear na área e finalmente repor a bola, sendo propício à “queima” de tempo nas fases finais dos jogos..

Ou seja: o que parecia um inteligente movimento de ataque terá muito mais aplicação como movimento defensivo e de anti-jogo.

Foi por isto, aliás, que muitos acharam imediatamente que se tratava de um lance à margem da lei e que o próprio árbitro americano terá advertido para não se repetir naquele jogo. E que, muito provavelmente, na próxima revisão, o International Board acabará por ilegalizá-lo com uma norma excepcional.

Um tópico que faltou nas célebres comunicações em directo do Ministro de Informação de Sadam Hussein em plena Guerra do Golfo foi o chamado “fogo amigo” que causava as maiores baixas entre as forças da coligação agressora do Iraque. Encerrado no seu bunker de Bagdad, o homem não sabia o que se passava na frente das próprias tropas iraquianas, quanto mais nas hostes inimigas.

Esta semana lembrei-me dessa falha irreparável do patusco Mohammed Saeed al-Sahhaf ao ver as surpreendentes e contraditórias intervenções do Director de Comunicação do FC Porto, no seu bunker no Porto Canal, precisamente sobre o “fogo amigo” que custou a baixa do capitão Danilo na guerra do Algarve.

Foi preciso viver décadas neste meio para assistir à acção destrutiva deste tomahawk azul e branco, que abre uma cratera enorme no coração do FC Porto e deixa a nação portista cheia de dúvidas sobre a força actual do seu presidente vitalício. O descontrolo da informação é o primeiro sinal da fraqueza do regime.

E foi de total descontrolo dos acontecimentos a imagem que passou, do popular Jota Marques a desdizer tudo o que tentara passar para negar os acontecimentos e acabar por confirmar que era informação pura e dura o que tinha vindo a público. Não só credibilizou os diabólicos meios de informação, como acabou por enxovalhar e levar ao desespero os corajosos combatentes que se tinham esforçado também, até ao limite, a negar, durante dois dias, as evidências do conflito aberto entre o general e o capitão: houve quem chegasse a considerá-lo um delírio de “gente a navegar em ácidos”.

Num tempo em que a informação é tão importante para o exercício do poder, é toda a lógica de comunicação do FC Porto dos últimos três ou quatro anos que está finalmente em causa, depois de obrigada a bater em retirada da frente de guerra contra o Benfica. Perdido o foco (e as munições) contra o inimigo único, as baterias entraram em curto-circuito.

Tal como o saudoso Mohammed, um dos primeiros cómicos da história da televisão global, também Jota Marques há-de ser lembrado como exemplo do que não se deve fazer na área da comunicação. De tudo o que disse de mais importante, só vai ficar a caricatura.

Há décadas, instalou-se no FC Porto a ideia de que a definição de perigosos inimigos externos é excelente para reunir as tropas e ganhar “contra tudo e contra todos”. Quanto mais nos hostilizam, mais nos unimos - era a receita infalível que, acreditavam, fornecia aquele extra de energia necessária para chegar aos títulos.

Começou no atavismo provinciano, a síndrome da ponte da Arrábida denunciada por Pedroto, prosseguiu no toque à insurreição, sob a bandeira da Regionalização confundindo-se com a ambição política dos caciques locais, avançou para o ataque declarado ao poder central, a fantasmagórica capital do Império, e culminou na guerra civil contra um parceiro de negócio, o gigantesco Benfica. Foram tempos de agressividade declarada, mas frequentemente dissimulada por tiradas de humor cáustico e bizarro, que nalgum momento os basbaques de serviço definiam como “fina ironia” do chefe máximo.

Em todas estas sucessivas fases de guerra aberta esteve sempre presente e viva, em paralelo, uma frente de guerrilha contra a comunicação social, primeiro os jornais desportivos, agora as televisões por cabo, com tácticas de inteligência subterrânea, tão díspares como a informação zero dos blackouts do século passado ou as overdoses de dados roubados pelos amigos hackers de hoje. 

São 30 anos de luta, bem recompensados por ciclos triunfais que, contudo, nada devem a esse vício diminutivo do confronto permanente, mas sim a grandes treinadores, jogadores e outros profissionais, que por lá foram passando. Foi a “organização” desportiva do FC Porto que conquistou os títulos nacionais e internacionais, mas sem nunca conseguir eliminar o complexo de inferioridade dos principais dirigentes, o qual impediu o clube de crescer como seria suposto e justificado e se transformar no maior do país.

Os episódios dos últimos dias, ainda difíceis de entender por inteiro, dão sinais de um descontrolo imenso que conduz o FC Porto para um destino incerto, faltando imaginação para deles desenrascar um dichote que pudesse ser lido também como humor inteligente. A derradeira fina ironia desta história gloriosa já está a tardar.

Embora haja abencerragens que só consigam ver incidentes de contra-informação e desinformação por parte dos adversários, os equívocos deste defeso apontam para a época mais difícil dos últimos 30 anos. A saber, sem ser exaustivo:

> a substituição de Casillas

> a descontratação de Bruma 

> a recuperação de Marcano

> a avaliação de Nakajima 

> a revelação de Zé Luís

> a tentação por Fábio Coentrão

> a desautorização de Danilo

Há em todos estes episódios recentes, na sequência de outros que evidenciam uma enorme fragilidade da tal “organização”, uma linha de actuação aparentemente negativa e insatisfatória para cada vez mais adeptos. Aliás, eu vejo-a como profundamente negativa, mas não menosprezo quem está por trás de tudo.

Provavelmente, como é da tradição, segue-se uma ordem a reunir, “contra tudo e contra todos”, e muita fé no triunfo final. Se o conseguir, se o FC Porto emergir desta pré-época delirante como campeão e triunfador, teríamos de elevar os responsáveis por esta mixórdia de avanços e recuos à condição de génios da estratégia.

Olho para estes jogos de verão envolvendo os principais clubes europeus em estádios cheios de japoneses sorridentes ou de americanos exuberantes como uma visão de futuro. Um dia será assim a Superliga, depois da dissidência dos clubes principais, o UEFexit, que tanto assusta a UEFA neste momento: apenas dúzia e meia de clubes mais poderosos a circular pelo mundo mais rico, como uma espécie de Globetrotters em espectáculos elitistas e inacessíveis aos mortais comuns.

A força do dinheiro já transformou totalmente o conceito de pré-época. Acabaram os tempos dos estágios em retiros espirituais, treinos de carga entremeados com joguinhos de tiro ao alvo com equipas locais de padeiros e fiéis de armazém, progredindo lentamente em torneios “veranieggos" até chegar ao início das competições mais ou menos no ponto. Agora é a abrir: viagens transcontinentais, choques térmicos e climáticos violentos, contactos comerciais com multidões histéricas de adeptos-clientes e jogos com os adversários mais poderosos, ainda que a maior parte dos jogadores não actue mais do que 45 minutos por partida.

Cientificamente, não sei o que resulta melhor, mas os atletas da actualidade não engordam nas férias nem desligam da profissão, sob pena de perderem o comboio na estação de partida. O nível destes jogos fica longe do padrão competitivo a que estamos habituados, mas é extasiante para estes novos públicos, menos exigentes, no Extremo Oriente ou na América do Norte.

São espectadores desportivamente mais tolerantes, mas economicamente mais interessantes e, sobretudo, mais numerosos. As grandes marcas do futebol inglês, espanhol, italiano e alemão já têm mais consumidores no Oriente ou na América do que nos próprios países de origem.

Se transportarmos este balão de ensaio para um contexto futurista, num Mundo cada vez mais apequenado pelas comunicações globais, preparemo-nos para mudar hábitos de décadas. A própria sobrevivência do futebol local pode residir, em parte, na exportação dos espectáculos entre campeões europeus para palcos distantes e nos respectivos “prime times”, mas às nossas horas de almoço ou inícios de madrugada, deixando as “slots” horárias mais valiosas para as competições domésticas.

No sofá de um adepto português seria assim: um Barcelona-Chelsea, do Japão, à hora de almoço, um Sporting ou um Benfica à hora de jantar e um Real Madrid-Arsenal, de Nova York, à meia-noite. Acabaria aquela concorrência desleal dos jogos das equipas grandes da Premier League ou da Liga espanhola à mesma hora do nosso campeonato e, então, seria só escolher entre um Braga-Tondela e um Sevilla-Bilbao ou um Newcastle-Everton.

A Superliga é um projecto imparável, mas o futebol precisará sempre de quem descubra e desenvolva as sucessivas gerações de jogadores. Para que tal seja viável e funcional, as respectivas competições locais terão de ser minimamente aliciantes e competitivas, com carisma e público - e tudo indica que os seus ideólogos procuram chegar a um modelo de negócio que contente todas as partes e todas as escalas.

 

Quase sem se dar por isso, a geração dos jogadores de Football Manager atingiu a idade adulta e transformou o futebol real num jogo virtual de doidos. Sairam das telas de computador para os escritórios de agentes, depois alguns chegaram também ao empresariado e estão agora a aparecer nos clubes. O que eles dizem, por mais estranho ou inverosímil, tornou-se lei.

Os “scouters” são uma casta superior no mundo da boleiragem, capazes de transformar batatas em botas de cristal, até ao momento da cruel realidade em que o balneário dourado se transforma em abóbora, quando acaba o encantamento do “mercado” e é preciso jogar futebol.

Quando acontecem contratações mirabolantes como a de Nakajima ou a de Carlos Vinicius, não pela qualidade relativa dos atletas, mas pelos valores absurdos envolvidos, imagino que os relatórios de “scouting” sejam extraordinariamente ricos em ângulos cegos da trajectória dos jogadores. Os “scouters”, embora recusem ser chamados de olheiros, vêem o que ninguém mais vê e esmagam as dúvidas ao apresentarem argumentos com uma assertividade que não admite réplica.

Das últimas semanas, ouvi uma mão cheia de observações técnicas em comentários de futebol em directo nas diversas televisões que me reduziram à insignificância. Esmagadoras! E não falo de absurdos como “ainda me lembro de como Seferovic jogava nos juniores do Servette”, mas de pérolas verdadeiras como estas duas ouvidas na recente Taça de África: 

> sobre como o extraordinário Brahim Suleymane, guarda-redes do Tevragh Zeina, joga normalmente com os pés no campeonato da Mauritania;

> sobre como o fantástico queniano Michael Olunga se movimenta no ataque do Kashiwa da 2.ª divisão japonesa, pelo qual alinhou apenas uma dúzia de vezes.

Cito estes dois casos, não por duvidar dos conhecimentos de quem os proferiu, mas para mostrar como é necessária enorme credibilidade profissional para um dirigente aceitar colocar milhões de euros em cima de uma informação tão rebuscada. Ou será o contrário? Estas é que são as informações que valem o tal milhão de dólares? Gostava de ver um presidente de clube confrontado com a possibilidade de contratar o guarda-redes da Mauritânia ou o avançado do Quénia: acreditar no instinto, decidir à sorte ou confiar num olheiro maluco!

Quando surge um nome novo no mercado, a reacção é ir ao Youtube ver clips e resumos que, obviamente, nunca nos mostram os pontos fracos dos jogadores, mas garantem dois ou três parágrafos de conhecimento avulso e pronto a servir. É com base neste conhecimento de pantalha que nos chegam craques cada vez mais exóticos.

Pelo que percebo, já ninguém segue os métodos clássicos, uma enorme trabalheira que consistia em ver, tirar notas, acumular observações e formar uma opinião, durante um período relativamente alargado. Talvez seja uma forma menos esperta de agir neste tempo em que a velocidade informativa é muito mais importante do que o conteúdo. Mas é assim que gosto de me atualizar há décadas, tendo começado alguns anos antes da criação da primeira página regular sobre futebol internacional na imprensa portuguesa e quando as fontes eram toneladas de papel de revistas como Don Balon, France Football, Guerin Sportivo, Kicker e Placar, que chegavam com mais ou menos atrasos, acompanhadas de investimentos casuísticos no Times ou no Guardian, para sentir o ambiente da Liga inglesa só com ingleses, e no Globo, que trazia o ritmo do fascinante futebol carioca dos anos 80.

Jorge Jesus começou a aventura no Brasil sendo eliminado da Taça do Brasil, perante 70 mil adeptos. Um pequeno Maracanazo em linha com a sua tradição pessoal de entradas em ombros para saídas em broncas. Ironicamente, um treinador a encarnar involuntariamente a figura do clube do “cheirinho”, que está sempre perto de conquistar títulos, mas apenas os cheira.

A eliminação da Taça do Brasil pesa nas finanças dos clubes, uma vez que o prémio monetário é o mais elevado de todas as provas nacionais. O Flamengo e o Palmeiras, que têm investimentos muito acima de todos os outros clubes, foram ambos eliminados ficando pelo caminho a ideia de uma final “superstar”, Jesus-Scolari. 

O Flamengo esteve perto de vencer o Athletico, mas no final prevaleceu a força de um conjunto com mais de um ano de trabalho sem perturbações, muito raro no Brasil, sobre uma série de contrariedades que o treinador português não conseguiu superar. Desde a perda de jogadores titulares (Bruno Henrique, De Arrascaeta), à má gestão do jogo quando se tornou evidente o maior equilíbrio táctico e físico dos paranaenses e a superior qualidade individual de alguns dos seus jogadores, como Bruno Guimarães, foi decisiva uma certa sobranceria que redundou na desastrosa abordagem da decisão por penaltis.

O treinador científico, que usa drones e levou para a Gávea uma equipa técnica de sete elementos, incluindo um motivador psicológico, foi posto em dúvida pelo evidente despreparo dos penaltis. Eu achei, inicialmente, que era apenas mais um ataque do mau karma do treinador português, que perdeu um campeonato e uma Liga Europa nos minutos de compensação das finais e uma segunda Liga Europa também nas grandes penalidades. 

Mas depois ele explicou que tinha treinado ao longo dos 20 dias de trabalho cinco jogadores para os penaltis, dos quais três já não estavam em campo (Bruno Henrique, De Arrascaeta e Rafinha), um falhou (Everton Ribeiro) e outro não chegou a marcar (Gabigol). O que não se entende é que tenha escolhido para abrir a série dois que não eram prioritários (Diego e Vitinho), tendo ambos desperdiçado.

Diego tem um rácio de quase 50% de penaltis falhados ao serviço do Flamengo, mas talvez Jesus se recordasse do competente especialista do FC Porto, pelo qual acertou na decisão de uma Taça Intercontinental, há uns bons 14 anos, ou pela selecção do Brasil em duas finais da Copa América. Além de ser o capitão da equipa e, a par de Gabriel Barbosa, foi quem mais rapidamente absorveu as ideias do líder.

Será apenas um detalhe no trabalho do treinador, mas ele é precisamente incensado pela atenção que dedica aos detalhes. Segue-se uma serie de jogos muito difíceis, iniciando a fase decisiva da Taça Libertadores, com um plantel diminuído por problemas físicos e dezenas de milhares de quilómetros para fazer entre os dois compromissos semanais.

Antes desta partida, logo a seguir à maior goleada do campeonato, no domingo, no mesmo estádio lotado do Maracanã, as televisões brasileiras debatiam o atraso dos treinadores locais relativamente aos estrangeiros, com Jesus, Sampaoli e o “estrangeirado” Scolari, os três primeiros do campeonato, em pano de fundo.

Este ziguezague em função dos resultados é típico do humor do futebol brasileiro, a pátria da besta e do bestial. Nestes quartos-de-final da Taça, passaram as quatro equipas que têm treinador há pelo menos um ano, eliminando as que mudaram de direcção técnica já em 2019. Pode ser coincidência, mas dá-nos uma ideia da pressão que Jesus vai sentir nos próximos tempos e que eleva este desafio a um grau de dificuldade inaudito. 

E foi apenas um “cheirinho”, como zoam os adversários do Flamengo.

Dia após dia, há pelo menos três semanas, temos ouvido que o Manchester United está a preparar uma proposta, que a proposta chega dentro de dias, que os dirigentes do Sporting foram a Inglaterra, que Bruno Fernandes está de corpo e alma nos trabalhos de preparação da nova temporada leonina. É um sem-fim a rodar no éter enquanto não chega a hora que nunca mais chega.

Por piedade aos que sonham com uma venda milionária, ninguém se atreve a explicar que simplesmente não há dinheiro para comprar o melhor jogador da Liga portuguesa por valores semelhantes ou acima do que custaram De Jong, Kovacic, Ndombelé, Tielemans, ou mesmo o dobro de Fornals, Sarabia, Vlasic ou Lo Celso.

Para uma grande transferência ser possível é preciso fazer convergir o valor real, o preço na etiqueta e o dinheiro disponível - e neste caso as duas primeiras condições não se acertam e a terceira está claramente em falta. Já se percebeu em várias operações, incluindo as mais chorudas, de João Félix e Griezmann, que a falta de liquidez atrapalha até os mais poderosos.

Mesmo após a actualização do valor de Bruno Fernandes no final da época passada para 55 milhões no site de referência transfermarkt, cinco vezes mais que há um ano e já entre os 100 mais custosos do Mundo, os mercados internacionais continuam em negação, reservando-o eventualmente para uma época de saldos ou de vendas forçadas, mais perto do fecho deste período. E está longe de ser o médio de ataque mais desejado: Eriksen, Dele Alli, Havertz,  Fekir, Isco, James Rodriguez ou van de Beek são concorrentes directos e com mais procura.

O melhor jogador do campeonato português nunca foi considerado prioritário nem causou qualquer corrida desenfreada e só poderia entrar no primeiro mercado europeu depois de Neymar, Pogba ou Bale serem transaccionados e insuflarem liquidez nos possíveis compradores, em particular o Manchester United. Outra dificuldade, porém, é que estes “centenários” também estão cotados muito acima do que valem realmente para os treinadores e, no fundo, colocados na mesma prateleira do capitão do Sporting, à espera que os apertos do final do prazo façam cair drasticamente os preços para o valor real perceptível, talvez menos de metade do que está a ser pedido por qualquer um.

São muito poucos os clubes europeus que podem pagar 50 milhões por um futebolista e quase todos já o fizeram neste defeso. Por 70 ou 80 milhões, como gostaria o Sporting, parece impossível.

Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Bayern, Dortmund, Manchester City, Manchester United, Tottenham e Juventus já realizaram as suas compras acima dessa fasquia e só poderão fazer outras depois de vendas que tardam em conseguir concretizar.

Restam Paris SG, Liverpool, Arsenal e Inter com algum “desafogo”, mas todos fortemente apertados pelo controlo financeiro, sem esquecer os impedidos de comprar ou sem acesso aos fundos da UEFA, como Chelsea ou Milan.

Até a antecipação financeira das receitas da Champions ainda depende da definição do quadro final de participantes e da repartição das quotas de mercado televisivo, processo que também só fica concluído no final de Agosto.

E é este o problema de Bruno Fernandes. Teria mercado “fácil” por uma verba até aos 35 milhões da cláusula base do seu acordo com o Sporting, mas parece sem crédito entre os poucos que podem pagar muito acima disso. Como na fábula da raposa e das uvas, “está verde…”

Não partilho do entusiasmo com que nos diversos programas televisivos diários dedicados ao Mercado de futebolistas se projecta invariavelmente os alvos estrangeiros dos principais clubes como grandes estrelas, do presente ou do futuro.

Parto do princípio que se fossem tão bons como os pintam não vinham para Portugal.

E a análise primária diz-nos que os mais jovens não têm experiência que assegure alto rendimento imediato e os mais velhos vêm em busca de relançamento das carreiras, todos procurando apenas servir-se do prestígio dos nossos três grandes clubes como alavanca para a vida profissional. 

Defendo a tese de que 80 por cento dos contratados sofrem desvalorização irreversível ao fim do primeiro ano. Não digo que todos sejam “flops”, mas são claramente inflacionados pela manha dos agentes, pelo oportunismo dos “scouters”, pela incompetência dos dirigentes e pela conivência dos media. E acabam a sair pela porta pequena, deixando um rasto de prejuízos na proporção inversa dos lucros obscenos dos negreiros envolvidos.

Se, por exemplo, Oliver Torres estivesse a chegar a Portugal neste momento por 20 milhões de euros não haveria limite para as hipérboles descritivas do seu enorme talento. E no entanto, na hora de saída, com desvalorização de quase 50 por cento e críticas carregadas de cinismo a justificar o “bom negócio” do FC Porto, ninguém ousa recordar que chegou campeão europeu de sub-19 e tendo estreado na primeira equipa do Atlético de Madrid com apenas 17 anos. Apesar do razoável rendimento desportivo, foi apenas mais um da enorme maioria que não se valorizou e não conseguiu corresponder ao investimento feito nem às promessas dos olheiros que o avalizaram.

Quando tinha apenas 19 anos, alguém descreveu Oliver Torres como um “criativo dono de uma técnica apuradíssima, um desequilibrador nato, de grande classe, que faz a diferença pela superior qualidade técnica no drible e condução de bola, e pela assinalável precisão no passe, velocidade de execução e acerto na tomada de decisão”.

À chegada, em 2014, lia-se no site oficial do FC Porto: “Oliver Torres tem alma de artista. Às vezes pinta, outras desenha e dança quase sempre”.

À partida, em 2019, ouve-se no Porto Canal: “Só foi verdadeiramente útil para Sérgio Conceição quando os outros médios não podiam jogar”.

O caso do espanhol que sai do Dragão sem brilho - mas chega a Sevilha, ironicamente, reabilitado como um grande craque - nada tem de excepcional, antes é um paradigma do que acontece aos mais pintados neste carrossel da fama.

Mas a quem aparece num espaço mediático destinado a criar esperança, será muito difícil levantar dúvidas ou prever o fiasco de determinado jogador, ainda mais com “pedigree” internacional como tinha este espanhol há cinco anos,  num contexto de entusiasmo irracional dos espectadores e adeptos em momento de decisão no processo de renovação dos bilhetes de época. Nem sequer se pode perder tempo a contextualizar o espaço que cada candidato a estrela pode, efectivamente, disputar na galáxia do novo balneário.

A inclusão de determinado jogador estrangeiro, até por valores completamente desajustados, já não se destaca em plantéis em que os portugueses estão em minoria. Os estrangeiros são recebidos tão bem, que nem precisam de se evidenciar, pois as facturas são entregues e pagas antes da mercadoria. Neste negócio, ganha-se antes de produzir: é um craque estrangeiro, dá cá 20 milhões!

Passaram os tempos em que os jogadores estrangeiros eram excepções e ninguém tinha margem de erro no momento de contratar. O início da internacionalização do futebol português coincidiu com a Revolução de 1974, com o fim da “lei de opção”, com a liberdade social e com a reabertura de Portugal ao Mundo: encerrou o filão das colónias africanas e descobriu o El Dorado sul-americano.

Lembro-me da contratação de Cubillas pelo FC Porto como um momento realmente extraordinário, fosse pelo preço, então decantado pelos jornais ao centavo - salvo erro eram 11 contos (55 euros) por dia - fosse pela classe do jogador peruano, um dos dez melhores do Mundo, na altura. E também recordo a primeira venda de um clube português por valores que hoje seriam classificados de “estratosféricos”, no caso a transferência de Yazalde do Sporting para o Marselha, a seguir ao Mundial de 1974. 

Cubillas e Yazalde eram internacionais de nível mundial, estrelas de brilho intenso, como raramente voltámos a ter nos clubes portugueses, devido à massificação descontrolada que a liberalização dos mercados e o negócio das percentagens veio potenciar no final do século passado.

No início dos anos 80, o Benfica também acabou com a norma anacrónica de só alinhar portugueses e eu próprio, já como jornalista, lembro-me de ter feito a primeira entrevista a Filipovic, o primeiro “realmente estrangeiro” e igualmente uma vedeta internacional, em pleno relvado da Luz, sem holofotes, nem “directos”, nem atropelos mediáticos.

Os negócios eram feitos à margem do grande público e surgiam na imprensa de verão à cadência dos trissemanários - toda a gente tinha mais que fazer do que acompanhar o vai-vem dos craques à velocidade do twitter. 

O engraçado é que ninguém se atrevia a adjectivar um Yazalde, ou um Cubillas, ou um Filipovic com metade dos superlativos que hoje acompanham as fichas dos “alvos” do mercado, para enquadrar os milhões do transfermarkt. Não havia Youtube, nem sequer VHS, só autêntico prestígio internacional, provas dadas ao mais alto nível e seriedade.

Jonas termina hoje, por imperativos de ordem física, uma carreira que teve um final brilhante. Retira-se como segundo melhor goleador estrangeiro do Benfica e, na minha opinião, melhor jogador estrangeiro da história do clube, o Aimar que me desculpe.

Como é estranho o futebol!

Jonas não teve escola, pois só começou a jogar aos 20 anos no Guarani de Campinas.

E, por duas vezes na carreira, foi considerado o “pior avançado do Mundo”. Em 2009, quando falhou um golo decisivo pelo Grémio frente a uma equipa menor da Colombia na Taça Sul-americana, falhando o remate por três vezes com a baliza deserta, na mesma jogada - talvez o mais estrondoso falhanço da história do jogo. E, em 2014, quando ficou três meses na doca seca de Valência, pouco antes de se mudar para o Benfica.

Chegou à Luz completamente desacreditado por causa da incompreensão dos últimos treinadores que teve no Valência, em especial o português Nuno Espírito Santo. Poucos acreditavam na reabilitação do jogador.

E agora sai com a admiração e o respeito de todos os adeptos, não apenas os benfiquistas, e com o aplauso unanime da “crítica”. Pelo que ouço e leio, aliás, parece que só eu duvidei da aposta de Rui Costa, há cinco anos.

Mas, apesar do indiscutível sucesso, com nove títulos em cinco épocas, incluindo 4 campeonatos, fica uma dúvida eterna pela sua fraca prestação nas provas da UEFA. Os brasileiros, que nunca o quiseram na selecção e agora estão admiradíssimos com o estatuto de ídolo do Benfica, acham que ele só foi grande em Portugal por causa da baixa competitividade da nossa Liga.

Pode ser. No futebol, ao contrário do que achava o poeta, são as fracas oposições que fazem mais forte o Rei. Quem não sabe defender, acaba goleado. E Jonas soube aproveitar isso como ninguém.

Obrigado, pois, ao “pior avançado do Mundo” e a todos os envolvidos na decisão de recomeçar a carreira em Portugal, cada vez menos opção nem desafio para grandes jogadores, devido às disparidades financeiras - e, também, à baixa competitividade.

Há uns anos, o mais considerado comentador em Portugal disse no seu púlpito que “quem julga o futebol pelas estatísticas não percebe nada de futebol”. Eu, que me considero pioneiro nesse tipo de análise na imprensa portuguesa, a partir de 1983, enfiei a carapuça, não porque reduza a minha observação a esses parâmetros, mas porque julgo que eles indiciam quase tudo sobre a capacidade de um jogador ou de uma equipa e, numa análise alargada, fazem sempre o retrato minucioso de qualquer atleta.

Mas há excepções. Há casos de jogadores com estatísticas excepcionais, que coleccionam triunfos e títulos, mas nunca entram nas contas dos que exaltam a sua sapiência com o sacramental “futebol é isto mesmo” e percebem tudo sem recorrer às estatísticas. Mário Jardel não foi contratado pelo Benfica porque, disse-me um dirigente na altura, “só marca golos”, ou seja, tinha boas estatísticas, mas não saberia jogar!

André Almeida é também um destes casos raros, visto pelos especialistas como um jogador banal apesar dos números excepcionais. No final da sua melhor época de sempre, em que foi o mais produtivo lateral direito do futebol europeu, viu-se ultrapassado por dois laterais esquerdos na equipa-tipo da sua própria Liga. E porquê? Porque tanto Grimaldo como Alex Telles tiveram estatísticas semelhantes, mas jogando noutra posição.

Os técnicos da Liga Portugal não tiveram coragem de escolher entre Grimaldo (34 jogos, 4 golos, 12 assistências) e Telles (33-4-8) e atiraram Almeida (32-2-12) borda fora, sem sequer considerar que jogou menos tempo e custa cinco vezes menos que os outros dois. Arrisco-me a dizer que quem fez esta escolha percebe pouco de futebol e ainda menos de estatísticas.

Podiam tê-lo substituído por Manafá ou Ristovski ou Marcelo Baiano, apesar de terem estatísticas bem piores mas serem excelentes jogadores, mas não: o melhor lateral direito de Portugal é um lateral esquerdo.

Pagava para ver Grimaldo ou Alex Telles, de quem o saudoso Neves de Sousa diria que só têm pé direito para subir ao estribo do eléctrico, fazerem um joguinho de alta competição como laterais direitos. Devia ser hilariante, no mínimo. Mas já vi André Almeida desenrascar-se muito bem como lateral esquerdo (39 jogos, 1 golo, 3 assistências, na carreira) e noutras posições, pois ninguém que perceba de futebol lhe negará a condição de melhor jogador polivalente desde António Veloso.

Por tudo isto, também não tinha entendido a desconsideração permanente que lhe faz o seleccionador nacional Fernando Santos, um treinador a quem as estatísticas triunfais acabam, no final das contas, por justificar as decisões mais incompreensíveis.

André Almeida está numa fila atrás de João Cancelo, Nelson Semedo, Cedric Soares, Ricardo Pereira e Diogo Dalot, pelo menos, mas talvez também depois de Mário Rui e Rafael Guerreiro, que são óptimos laterais esquerdos.

Talvez tenha de nascer dez vezes, como diria outro grande empírico da bola!

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