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Dos dois jogadores que o futebol português tinha para oferecer no primeiro mercado internacional deste verão, um terá atingido o valor astronómico da cláusula de rescisão e o outro é mantido num limbo de falta de interesse que começa a exasperar. Assistimos a uma espécie de “derby” do mercado, em que o Benfica está a vencer o Sporting, quando faltam ainda mais de dois meses de jogo e, sobretudo, falta liquidez em circulação para desatar uma série de negócios que estão alinhavados há muito.
Dir-se-á que é uma relação normal de oferta e procura, em que o saber esperar pela melhor oportunidade também conta, mas há quem atribua a espera à falta de boas relações com determinado agente ou às opções de comunicação do respectivo clube. Segundo esta teoria, Bruno Fernandes ainda não foi vendido porque, sem a intermediação de Jorge Mendes e mais visibilidade nos media, ninguém leva a sério a sua capacidade de garantir um golo por jogo, entre finalizações e passes decisivos, que fizeram dele um dos melhores médios de ataque da Europa.
Para calafetar esta brecha de raciocínio, sugere-se mais e melhor promoção dos jogadores que se pretende vender. Sim, porque se não fosse a propaganda da imprensa e televisões nacionais, que esgotam as suas edições internacionais por essa Europa fora, nunca o Atlético de Madrid ou o Manchester City aceitariam pagar 120 milhões por João Félix: sem a fortíssima propaganda do Benfica, ele não valeria mais do que os 15 milhões da chamada “taxa Mendes”.
Existe uma casta de inteligentes na área da informação, a maioria dos quais desaguou no parasitismo das agências de comunicação, que confina a diferença entre sucesso e insucesso ao dinheiro que se “investe” nos seus serviços: para o bem ou para o mal, a culpa é do mensageiro.
Dizem que vendem presidentes da República e agora parece que pensam que também vendem jogadores de futebol. Os “scouters”, os “labs”, os treinadores, os dirigentes profissionais e os relatórios de anos e anos de análise a jovens com mais de dez anos de competições internacionais contam pouco quando comparados com a força de meia dúzia de manchetes “fabricadas” pelos influenciadores da imprensa desportiva.
De Jong foi do Ajax para o Barcelona por 85 milhões graças à óbvia facilidade de leitura dos catalães quando se trata de jornais e televisões neerlandesas. Os alemães de Munique deliraram de tal forma com as promoções da imprensa de Madrid sobre Lucas Hernandez que aceitaram pagar 70 milhões por um defesa. No sentido inverso, a Madrid chegou fortíssima a propaganda alemã (e talvez servo-croata) sobre Luca Jovic .
Sem esquecer o Éder Militão e a receptividade dos decisores madrilenos aos nossos falantes de portunhol!
A profissão de futebolista é das poucas em que se pode ganhar uma fortuna antes de apresentar serviço e em que as expectativas de um futuro currículo podem valer mais do que o currículo em si. João Felix, de 19 anos e seis meses como “estagiário”, vale mais para os empregadores do que Eden Hazard, de 28 e profissional de classe mundial com dezenas de títulos colectivos e individuais.
Os espectadores, estupefactos ou incrédulos, dividem-se entre o orgulho e a inveja, consoante a proximidade com os protagonistas, mas, no fundo, tendem a acreditar que existe uma lógica para as loucuras do mercado dos dirigentes, apesar de nenhum negócio poder prosperar com este sistema. Nenhum negócio normal, quero dizer, o que não inclui o dos agentes, também conhecidos como "empresários".
Os media ampliam este frenesim e, ao fim de quase trinta anos de mercado de verão, continuam na mesma lógica insana de considerar e apresentar ao público qualquer candidato como excelente, evitando o odioso da dúvida metódica. Os jogadores, por menos qualidade que possam ter, são todos apresentados como “reforços”: no Atlético de Madrid ninguém duvida neste momento que João Félix seja um reforço e ai de quem ouse duvidar.
E não devia ser assim. Mesmo correndo o risco de perder alguns achados, a lógica de gestão de um clube profissional devia reger-se por objectivos e premiação, como na maior parte das carreiras profissionais. Porque a taxa de sucesso relativo das novas contratações não ultrapassa os 20 por cento, o que equivale a dizer que são muito mais os falhanços do que as boas operações desportivas e financeiras e que 80 por cento dos jogadores valem menos na venda do que na compra.
Tomemos como exemplo o mercado português de há um ano. O Benfica contratou Vlachodimos, Corchia, Ebuhei, Conti, Lema, Alfa Semedo, Gabriel, Ferreyra e Castillo. O FC Porto reforçou-se com João Pedro, Janko, Jorge, Mbemba, Eder Militão, Bazoer e Paulinho. O Sporting adquiriu Renan, Viviano, Bruno Gaspar, Marcelo, Gudelj, Nani, Raphinha e Diaby.
Neste conjunto de promissoras estrelas gastaram os três clubes 80 milhões de euros, que teriam redundado em perda quase total, não tivesse havido o milagre Militão, graças à incompetência do “scouting” do Real Madrid, que podia tê-lo adquirido um ano antes por seis vezes menos. Para lá do defesa brasileiro, só Vlachodimos, Gabriel, Renan, Gudelj e Raphinha se encontram, ao fim de um ano, numa linha de evolução desportiva que justifique a aposta. Tudo o resto, com o devido respeito, foram erros de casting ou de incompatibilidades com os objectivos - dentro da média habitual de apenas um acerto por cada cinco contratos.
Quando são cada vez mais e maiores os espaços mediáticos dedicados ao tema em época de defeso, um trabalho dos mais difíceis e complexos, devido aos evidentes riscos permanentes de especulação (dos jornalistas), manipulação (pelos agentes) e propaganda (dos clubes), em que o sentido da abordagem é sempre positiva, alimento a expectativa de um especialista que seja capaz de vaticinar fracassos e que entre em contraciclo com a tendência de que tudo o que vem ao mercado é craque.
E esta transferência de João Félix para o Atlético de Madrid tem muitas possibilidades de redundar num erro de casting também, desde a relação custo-rendimento, à adequação equipa-jogador: o Atlético não é, seguramente, o clube indicado para quem queira tornar-se no melhor jogador do Mundo.
Hoje após marcar de pénalti o golo que iguala o recorde de Mundiais que pertencia ao alemão Miroslav Klose, a brasileira Marta, seis vezes melhor jogadora do Ano para a FIFA, apontou para a chuteira sem patrocinador e com um símbolo de igualdade homem-mulher no desporto, duas listas azul e rosa iguais em formato e tamanho. O símbolo da eterna utopia feminina, do salário igual para desporto igual, se nos lembrarmos de que há apenas uma mulher, a tenista Serena Williams, entre os cem desportistas mundiais mais bem pagos da actualidade. Marta deu visibilidade ao movimento #GoEqual e colocou-se perigosamente sob alçada disciplinar da FIFA, que nada aprecia este tipo de manifestações.
Antes de Marta, já a norueguesa Ada Hegerberg, melhor jogadora europeia, se recusara a disputar o Mundial por causa das diferenças de tratamento de género na sua própria Federação e quase todas as selecções presentes em França arrastam históricos de discriminação e diferenças, como é o caso da Argentina, constituída às custas das próprias jogadoras. Mesmo no país de maior desenvolvimento do jogo feminino, os Estados Unidos, é impossível organizar uma Liga profissional e a forma de manter o nível da selecção é pagar às jogadoras como funcionárias a tempo inteiro da Federação.
É neste clima de incerteza e dificuldades que decorre o campeonato mais visto de sempre, seguido com enorme interesse em partes substanciais do mundo desenvolvido. O Mundial que começou esta semana em França é um evento apaixonante, que quebra recordes de audiência e marca a definitiva emancipação deste desporto a uma escala global, após um crescimento lento e turbulento desde os primeiros sinais de ilusória expansão dados pelo campeonato de 1999, disputado nos Estados Unidos.
As imagens dos estádios franceses mostram um ambiente de festa no dia a dia das equipas e um elevado nível competitivo entre a maioria das selecções, com um desfecho imprevisível para a prova, tendo alargado significativamente o número de candidatas ao título, relativamente a provas anteriores. Sem esquecer o uso exemplar e didáctico do VAR, a um nível bem superior e clarividente, relativamente ao que se viu há um ano no Mundial masculino.
Os jogos femininos são orientados para o golo, têm menos paragens, menos faltas, mais tempo útil, menos condicionantes tácticas, mais espaço para o talento individual. E vão desenvolver uma nova economia desportiva, novos mercados, novas marcas, como se vê em França por estes dias, com o eixo do campeonato do Mundo a derivar dos grandes centros tradicionais para as cidades onde o futebol feminino já estava mais implantado localmente.
É o que de passa em França, Espanha, Itália, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Noruega, Suécia, nos Estados Unidos, China, Japão, Austrália, Brasil ou África do Sul. O futebol feminino gera entusiasmo e admiração, não tardará a gerar dinheiro também, nunca como Marta e Hegerberg desejariam, mas na sua própria escala.
Com um atraso de mais de vinte anos, Portugal só recentemente começou a despertar para esta proposta desportiva e é uma pena que tão importante evento passe ainda à margem dos nossos meios de comunicação e não seja visível para milhares de raparigas.
Com a entrada do Benfica no espectro competitivo, iniciou-se uma nova fase, provavelmente imparável, apesar de o projecto profissional ser alicerçado em jogadoras estrangeiras, duas das quais estão, aliás, no Mundial de França. Deve ser preciso esperar por pelo menos mais uma geração até Portugal dispor da massa crítica indispensável à sublimação de uma selecção competitiva a nível mundial, depois de já ter conseguido disputar o último Europeu.
Como diria Pessoa, se hoje vivesse aos 131 anos, sobre esta última Coca-cola a chegar ao enorme deserto do panorama desportivo português, o futebol feminino primeiro estranha-se, mas depois entranha-se. É irresistível.
Duas vezes campeão de provas continentais à frente da selecção, Fernando Santos reivindica um lugar como o maior treinador da história do futebol português. Tem o reconhecimento do povo e das elites, mas falta-lhe a benção dos inteligentes que falam nas televisões ou escrevem nos jornais.
Ou seja: como treinador, Fernando Santos assegurou a imortalidade popular, mas nunca viverá com o prazer da unanimidade mediática.
Agora, coloquemo-nos no lugar dos críticos, uma pequena aldeia de rezingões que não se deixa anexar pelo grande império dos Santistas e se mantém irredutível na defesa de uma matriz de inteligência, criatividade e ambição.
Sendo portugueses, nunca desejariam o insucesso da selecção, apenas como poção mágica imbatível para justificarem as suas dúvidas relativamente aos métodos, às soluções técnicas e tácticas e ao próprio discurso do seleccionador nacional. Sendo observadores do jogo há décadas, não imaginavam ser possível ganhar com mau futebol.
A história da selecção nacional era o inverso de tudo o que Fernando Santos vem conquistando desde 2014: tinha sido durante décadas a equipa das vitórias morais, do quase sucesso, do fatalismo de derrotas cruéis em meias-finais (1966, 1984, 2000, 2006, 2012) e da tragédia desportiva de perder uma final em casa perante um adversário manifestamente inferior (2004). Na realidade, tantos jogos jogando bem e perdendo…
A vitória sobre a Suíça por 3-1 na meia-final da Liga das Nações não mereceu qualquer crítica para lá de Badajoz, mas ainda foi tema de infindáveis reflexões caseiras sobre a actuação insatisfatória de algumas individualidades, com consequências no funcionamento colectivo, independentemente do resultado. Por isso, não seria de esperar que, para a final com a Holanda, o treinador fosse alterar substancialmente a composição da equipa nem a solução táctica, mantendo as convicções treinadas na semana anterior.
O que aconteceu, porém, foi precisamente o oposto: Fernando Santos “ouviu” os críticos, mudou significativamente, arrumou o que tinha de ser arrumado (Bruno Fernandes, Bernardo Silva, Ruben Neves, João Félix) e alcançou a maior vitória com cunho pessoal da sua carreira na selecção. Uma vitória retumbante e inequívoca, sobre a melhor selecção europeia do último ano, uma vitória que não saiu de qualquer pontapé fortuito nem de algum momento de inspiração individual, uma vitória que consolida um caminho e marca grandes encontros com o futuro.
Com 39 triunfos em 64 jogos (60 por cento), diz ele que jogar bem é diferente de jogar bonito e que o futebol é resultado.
Tem razão, desculpe, e até à próxima vez que jogar mal (mesmo que ganhe).
Acompanho com muito interesse a ida de Jorge Jesus para o Flamengo: um dos melhores treinadores do Mundo, obcecado pelo trabalho organizativo, num ambiente caótico e sob pressão de um frenesim mediático que por vezes condicionam ou impedem jogadores e equipas de atingirem os limites dos seus talentos.
Jesus tem a mesma expectativa de uma criança em véspera de exploração de um parque temático, com a diferença de que nada do que o espera será surpreendente, depois de tantos anos de madrugadas perdidas a ver o PFC.
Sempre achei incompreensíveis as críticas ao jogo no Brasil, atendendo a que não existe qualquer grande equipa na Europa que não possua um, dois ou mais jogadores brasileiros: como pode ser mau o campeonato de onde vêm os melhores jogadores?
Quem passar a assistir às partidas do Brasileirão vai ver que são intensas, emocionantes, de desfecho incerto e quase sempre espectaculares do ponto de vista técnico. Faltar-lhes-á o rigor do jogo europeu, por desactualização dos seus principais treinadores, que começaram por perder o mercado internacional e agora são igualmente ultrapassados internamente: evoluídos no preparo físico, mas ingénuos na montagem táctica.
Em todo o Mundo, os bons treinadores fazem a diferença e o Brasil segue a tendência, aceitando pagar pelos melhores a valores dos principais mercados. Não foi à toa que, em menos de um ano, Luis Felipe Scolari converteu a equipa mediana do Palmeiras em campeã e praticamente imbatível a nível interno. Ou que, em quatro meses, Jorge Sampaoli tenha transformado o desvalorizado plantel do Santos numa das melhores equipas do país.
Organização, planeamento, gestão de recursos e modelo táctico e organização colectiva sempre acima dos interesses individuais dos jogadores sem cercear os maiores talentos, tudo acompanhado de uma carteira para contratações selectivas - eis o segredo de Scolari, eis o planeamento de Sampaoli (excepto na parte do investimento), eis a estratégia de Jesus.
O primeiro Jesus-Scolari (Flamengo-Palmeiras) está marcado para 31 de Agosto, o primeiro Jesus-Sampaoli (Flamengo-Santos) para 14 de Setembro. Neste momento, o Palmeiras comanda a classificação, o Santos é 3.º e o Flamengo 4.º, com o Atlético Mineiro na 2.ª posição com um treinador interino.
Como disse Jesus à partida para o Rio de Janeiro, é no Brasil que estão os melhores jogadores do Mundo e é no Brasil que se disputa o campeonato nacional mais difícil. Mas também é no Brasil que mandam os piores dirigentes desportivos do Mundo, a geração herdeira dos antigos banqueiros do “jogo do bicho”, que ainda se rege por impulsos primários e total irracionalidade na gestão dos clubes, como o demonstra a média de apenas 4 meses de duração de um treinador no seu posto de trabalho. Só o Flamengo teve 27 técnicos nos últimos dez anos, em que não conquistou qualquer título.
A duração do estado de graça de Jesus é a maior incógnita, perante uma comunicação social sempre perto de resvalar para a xenofobia, e vai depender dos primeiros resultados, em particular a eliminatória da Libertadores com o Emelec, do Equador, já no final de Julho.
Para lá da indemnização simbólica de dois milhões de euros, muito menos de um euro por cada mensagem devassada na salinha secreta das catacumbas do Dragão, a consequência mais importante desta condenação do FC Porto é a restituição da propriedade e a terminante proibição de novas violações à correspondência digital do Benfica - constituindo também um eloquente aviso (e jurisprudência) para outros potenciais “hackers”, da vida comercial ou das relações pessoais.
O FC Porto, o Porto Canal e o seu colaborador foram condenados porque não agiram como jornalistas ou sequer divulgadores de informação, como chegaram a reclamar em tribunal. Não seleccionaram a informação, separando o trigo do joio, o que era criminalmente relevante do que era pessoal ou intransmissível, incluindo transacções com terceiros, não investigaram a veracidade de algumas alegadas irregularidades contidas na correspondência entre agentes do Benfica e limitaram-se a despejar pela janela mediática, na tv e na internet, sem qualquer filtro, alguns terabites de lixo informativo que, alegadamente, lhes tinha caído na secretária.
Agiram como vizinhas coscuvilheiras, tentando manchar a credibilidade de toda e qualquer pessoa ou instituição que tivesse interagido com o Benfica por mail electrónico, desde indivíduos desconhecidos a outros clubes e empresas, passando pela Igreja Católica, cujos sacerdotes se popularizaram, à voz do FC Porto, como símbolos do crime organizado.
Para os condenados, talvez dois milhões de euros fossem amendoins, nos tempos em que não estava em situação financeira periclitante sob apertada vigilância do fair-play financeiro da UEFA, como preço pela confirmação dos alegados crimes do rival a usar noutros processos.
A diferença é que, a partir de agora, as alegadas provas, os conteúdos que o FC Porto não tinha o direito de divulgar sem autorização, ficam apenas na posse da Polícia Judiciária e do Ministério Público, longe do julgamento popular, a elas competindo exclusivamente avaliar se contêm ou indiciam comportamentos ilícitos do Benfica e dos seus dirigentes.
Como se percebeu hoje, é muito mais fácil provar o dolo de uma violação de correspondência privada do que a índole criminal de ser padre e rezar uma missa.