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J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

29 Set, 2018

Luisão e Nani

Dois episódios estranhos envolveram esta semana os capitães dos maiores clubes portugueses: a despedida de Luisão e a substituição de Nani, uma encenada a obedecer a todos os cânones do politicamente correcto e a outra extemporânea e descontrolada.

Não penso, todavia, que Luisão estivesse absolutamente engajado com a coreografia à porta fechada que lhe prepararam, nem que o destempero momentâneo de Nani correspondesse a uma rebeldia premeditada.

Primeiro, o Benfica tratou de arrumar o incómodo que crescia no balneário pela situação do seu mais emblemático jogador e proibiu a presença de público para não correr o risco de a cerimónia ser prejudicada por uma assistência abaixo do desejável ou por intervenções negativas dos adeptos, em particular contra Rui Vitória, o principal responsável pela reforma antecipada, e contra Luís Filipe Vieira, num momento de popularidade mais fragilizada.

Ao contrário, o Sporting não só nada fez para controlar os danos causados pela leitura dos lábios e da linguagem corporal de Nani, aumentados por vários dias de especulação negativa em blogues e meios de comunicação, como ainda veio censurar publicamente o internacional português numa das mais duras declarações de que me lembro de um treinador criticando um jogador da própria equipa.

Em síntese, o que Benfica e Sporting fizeram foi trazer para a praça pública questões que normalmente ficariam no balneário, porque a dimensão dos jogadores ultrapassa largamente o prestígio interno dos treinadores envolvidos. Estes vieram, assim, à rua procurar o apoio que aparentemente lhes falta no seio da equipa. 

Com a razia de defesas centrais no plantel de Rui Vitória, a despedida de Luisão tornou-se rapidamente em cruel ironia do destino. E, se o castigo de Nani fosse para lá do puxão de orelhas de José Peseiro, estaríamos a assistir ao desmoronamento de um dos pilares da nova temporada.

Em ambos os casos, os clubes são os mais prejudicados pelas opções dos seus treinadores, incapazes de encontrar soluções de compromisso, não obstante colocarem a solidariedade pessoal como um dos principais factores de coesão das equipas.

Poucos clubes do Mundo têm cinco avançados como o Benfica, cujas cláusulas de rescisão ascendem, em conjunto, a 300 milhões de euros. Talvez fosse de lhes exigir que jogassem mais tempo e marcassem mais golos.

O clube de fãs de Seferovic teve esta noite momentos de enorme felicidade em dois lances magistrais. Pego nas descrições dos experts tácticos para sublinhar o trabalho do suíço: “baixou” ao meio-campo para fazer um passe ao jogador que havia de fazer o cruzamento para o primeiro golo e fez um “túnel” para deixar passar o lançamento “vertical” de que resultou o segundo golo.

Pouco de Cervi, quase nada de Ruben Dias, que só fizeram as assistências, nada de nada de Rafa, num jogo raríssimo em que acertou duas vezes na baliza. Seferovic é que foi decisivo: um passe a meio-campo e um túnel.

O treinador do Benfica derreteu-se, perante as câmaras, em polegares acima ao suíço depois do primeiro golo e provavelmente também do segundo. Seferovic em altas dá “razão” a quem o mantém no centro de um ataque que está longe de fazer os golos de que um candidato ao título necessita!

Aos 60 minutos do jogo, entre um golo e outro, o bom do suíço esteve duas vezes cara a cara com o guarda-redes do Chaves, a três metros da baliza, e acertou no boneco. Não fez golo, mas também não é para isso que lhe pagam.

Seferovic é um bom profissional, que dá o que tem e se aplica em campo. Sua a camisola, como se dizia nos tempos dos equipamentos de malha. Joga no Benfica. Só não marca golos. É um paradigma dos equívocos constantes de Rui Vitória. É o reflexo de uma abordagem ao jogo que fica muito exposta ao azar. E aos empates, que já são quatro em 12 partidas oficiais, contra adversários inferiores.

 

O melhor do ano foi… Nooooooooo!

 

A minha votação para o melhor jogador mundial de 2017-18 teria sido, pela ordem, em Antoine Griezmann, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Luka Modric faria parte de uma segunda linha, a par de Raphael Varane, Kylian Mbappé, Mohammed Salah e Harry Kane.

É incompreensível que nenhum jogador francês figure entre os três melhores para a FIFA e acredito que a classificação da Bola de Ouro do France Football, ainda e sempre o prémio individual mais importante e mais justo pela qualidade e isenção do júri, nos dará uma classificação mais próxima da que eu considero ideal.

O meu melhor jogador da última temporada seria, então, Antoine Griezmann. 

Mas pelos critérios que elegeram Modric, defendo que Varane justificou mais do que o croata, apesar de nem sequer ter sido considerado pelo júri da FIFA.

E Salah entra nos três primeiros e ganha o prémio Puskas, do melhor golo, por causa do voto do público, sem o qual teria ficado em 6.º lugar. O egípcio é o primeiro jogador a ficar no pódio dos três melhores sem fazer parte do onze ideal do ano. 

Entre muitos portugueses cresce um sentimento de revolta pela “derrota” de Cristiano Ronaldo que reflecte a habitual cultura desportiva nacional: a culpa é do árbitro. Neste caso, o pensamento dominante é de que não “ganhámos” porque a FIFA é um coito de mafiosos sem escrúpulos, que roubam sempre a favor do Real Madrid… 

Em pelo menos cinco dos últimos 11 anos, aqueles que coroaram Cristiano Ronaldo como o melhor do mundo, FIFA, UEFA e os seus prémios foram justos, honestos e criteriosos. Quem sabe se não voltam a ser e se o português não regressa ao palco a exclamar Siiiiiiiii?

“Tiger Woods ensinou-nos a importância de não nos preocuparmos com o que os outros pensam de nós, isso simplesmente não interessa. O que importa apenas é o que nós pensamos de nós mesmos. A vida é cheia de obstáculos, alguns provocados por nós e outros que não podemos controlar. Acredita em ti, fecha o círculo e bloqueia o ruído”.

Este comentário do treinador de basquetebol Steve Forbes sintetiza uma das maiores proezas desportivas do século, o regresso de Tiger Woods às vitórias no principal circuito do golfe profissional, ao fim de cinco anos de travessia do deserto.

Ontem venceu o Tour Championship, o torneio de encerramento da época, o que lhe permitiu em acumulação com os resultados anteriores, sagrar-se o segundo melhor jogador da temporada, apenas atrás do inglês Justin Rose, campeão olímpico e actual nº 1 mundial.

Por razões da vida pessoal atribulada e por complicadas lesões nas costas, Tiger Woods tinha visto a carreira de 79 vitórias no Tour da PGA seriamente ameaçada, a um ponto em que ninguém, ninguém senão ele, poderia imaginar tamanha reviravolta.

Em poucas palavras: problemas conjugais seguidos de divórcio litigioso, quatro cirurgias em quatro anos, declínio desportivo descendo 655 posições no ranking mundial, uma detenção por condução sob efeito de medicamentos para as dores.

Patrocinadores vitalícios interromperam os contratos, amigos de longa data viraram-lhe as costas, a família saiu de casa, o golfe abandonou-o, o fim esteve iminente.

O ocaso durou precisamente 1,876 dias, durante os quais foram disputados 239 torneios, tendo participado nalguns deles com lamentáveis resultados. Mas nunca desistiu e vai obter esta semana o prémio maior, ao voltar a representar os Estados Unidos na Ryder Cup, pela primeira vez desde 2012.

Os patrocinadores estão de volta com propostas milionárias, os amigos entopem as redes sociais, os filhos já se aproximaram, o golfe está em festa com alguns dos melhores jogadores a recebê-lo aos saltos no green do 18 em East Lake, o futuro está assegurado.

 

PS: A quem não considera o golfe como desporto, sugiro que experimente bater uma bola no driving range mais perto. O prémio individual de Justin Rose pela vitória na FedexCup é de 10 milhões de dólares e vai subir para 15 milhões no próximo ano: não deve ser pela facilidade.

Eusébio, Coluna e Hilário são referências da equipa mais antiga de que me lembro, da televisão a preto e branco. Além deles, nos cromos e nas gravuras do Diário Popular, sobressaíam o Yaúca e o Matateu. Ao mesmo tempo, idolatrava o Zé Mulato, um crioulo que jogou no Vitória Mindense dos anos 60 do século passado e que terá sido a primeira pessoa de cor que vi de perto.

O futebol foi, ainda no período final do salazarismo, o factor mais visível de integração e educação contra o racismo, quando as notícias filtradas pela Censura nos acicatavam contra os pretos terroristas, os turras das províncias ultramarinas.

E agora, com o século XXI em veloz andamento, continua a sê-lo, numa nova sociedade educada à pressa, pelo relevo dos protagonistas, os quais, todavia, nem sempre aproveitam da melhor forma as ocasiões que a notoriedade pessoal lhes oferece.

Alan jogou dois anos na Madeira, onde os cidadãos lutam há séculos para não serem portugueses de segunda. Dois anos no Porto, nos tempos do Apito Dourado, onde se trata os portugueses abaixo do Mondego por “mouros”. E mais outro no Guimarães e nove no Braga, onde as pessoas se chamam mutuamente de “espanhóis" e “marroquinos”.

Alan é brasileiro e de tez mestiça. Um “coloured”, como seria descrito na Imprensa desportiva dos tempos em que comecei a ler e perceber.

Há 16 anos em Portugal como profissional de futebol, descontando as vezes que lhe chamaram “preto de merda só para (o) desconcentrar dentro de campo”, Alan diz que só se recorda de um episódio em que terá sido destratado de forma racista. E foi por um espanhol, Javi Garcia, que ainda não confirmou o incidente.

Eu penso que Alan, que felizmente ouve e vê sem dificuldade, é, sim, um homem meio confundido pelo sucesso individual, porque acha que o racismo “depende do estatuto da pessoa”. Não depende. Nem da nacionalidade, nem do emblema da camisola que veste, acrescento eu.

Em todo o caso, parabéns ao país que, meio século depois da Guerra Colonial apesar das enormes diferenças sociais e com tanto ainda por evoluir,  consegue tão bem absorver e incluir brasileiros, espanhóis e marroquinos.

Nos anos 80 do século passado, numa qualquer viagem com uma equipa de futebol, o saudoso Neves de Sousa criou um cumprimento entre os jornalistas, que ainda hoje utilizamos como senha privada:

- Então, tudo bem?

- Tudo tratado, só falta o dinheiro para o árbitro.

Era assim que olhávamos para os bastidores do futebol nacional há 30 anos, há 20, há 15, mas já não, seguramente, depois do “apito dourado” e do processo de profissionalização encetado com a organização do Europeu, os novos estádios, os melhores jogadores e treinadores de sempre e uma Federação prestigiada.

Neste contexto positivo, as práticas reveladas pela devassa dos emails do Benfica fazem-nos recuar décadas, à penumbra tabagista do “Calor da Noite” e do “Trombinhas”, ao pequeno tráfico de influências em que pontificavam os dirigentes das associações distritais, com as mãos na disciplina, na arbitragem e nas regulamentações, prestando contas apenas ao clube dominante. Era um pequeno tráfico mais para consumo próprio, do que para grandes negócios, um golo fora-de-jogo aqui, um pénalti ali, uma expulsão perdoada acolá, quase sempre em quantidades toleradas pela lei do mais forte, mas efectivamente em linha directa entre clubes e árbitros, pesando estes como a cocaína, o produto mais valioso deste tipo de tráfico. 

Nos últimos anos, em conjunto com um desenvolvimento modelar e ímpar da organização desportiva, das infraestruturas e dos recursos humanos, o Benfica terá cometido o erro de querer ser dominante também no lado negro da bola e, claro, deu-se mal: nunca lutes com o porco, explicava recentemente António Salvador, citando Bernard Shaw.

Todavia, continua sem se perceber como é que, na organização que terá montado, o Benfica influenciava directamente os jogos e os resultados, por mais rebuscadas que sejam as alegações sobre as entregas de camisolas, cachecóis e autógrafos nos parques de estacionamento da Luz, fotografadas por agentes secretos como se tratasse da entrega de um quilo de “produto”.

Quando Paulo Gonçalves tirou o Curso no FC Porto, o controlo dos bastidores regulamentares e do campeonato dos gabinetes era feito dentro da lei, nos tempos dos xitos, e regado a uísque velho no Conde Redondo, sempre que havia uma  Assembleia Geral da Federação. Quando avançou para o Mestrado no Boavista, aprendeu a controlar o sistema fora do âmbito associativo, através da Liga, embora com o risco de ter de entregar os chefes à Justiça para salvar a pele, em caso de crise, como aconteceu. E, finalmente no Doutoramento no Benfica, parece que conseguiu isolar o clube e os seus dirigentes de eventuais malefícios do processo, ao doar o próprio corpo ao Julgador.

O desenvolvimento “académico” de Paulo Gonçalves seria a metáfora ideal para descrever o trajecto até ao crime perfeito, evoluindo num ciclo em que as novas leis o tornavam supostamente impossível, se na prática conseguíssemos detectar e isolar a correspondência entre um cachecol e um golo fora-de-jogo, uma camisola e um pénalti, um bilhete VIP e uma expulsão perdoada. Até ver, isso ainda não pode ser entendido como “o dinheiro para o árbitro”.

 

Com a declaração de defesa intransigente da ética desportiva e de “liderança na luta contra as artimanhas do Benfica” por parte do presidente do FC Porto, foi dado o pontapé de saída para o julgamento político do caso dos emails. Deu-se o upgrade há muito esperado, com o grande líder a ocupar o espaço do idiota útil, o pastor a tomar o lugar do cão-de-fila.

Pinto da Costa pressentiu o esgotamento da “fórmula Jota” e, sobretudo, ficou alarmado com o desaparecimento em combate do esforçado Bruno de Carvalho, cujo substituto não parece capaz de chafurdar tão bem neste chiqueiro.

O sentido político a reter deste novo posicionamento é o recado que passa aos outros agentes do futebol, há meses e meses a assobiar para o lado, como se o assunto não lhes dissesse respeito.

Pinto da Costa abriu um debate a que não podem continuar a fugir a Federação, a Liga, todos os outros clubes profissionais, seus dirigentes e figuras de proa, até os patrocinadores e parceiros institucionais. Nem, claro, os directores dos órgãos de comunicação social que se colocaram no papel fácil de publicar ou não publicar, segundo critérios confusos com que apenas procuram andar à chuva sem se encharcarem, trocando o trabalho de campo sério e responsável por sessões contínuas de ruído para trogloditas.

Quando um jornal repete a primeira página de há meses, com o chamariz da prostituição, sem qualquer dado novo, é como se a lama tivesse secado e se transformasse em pó, muito mais fácil de limpar e sacudir para longe. É como se o assunto estivesse a esgotar-se e já só existisse na cabeça de editores desesperados com as perdas de vendas e dependentes do lado pavloviano das suas audiências.

Paralelamente à receita infalível da tia matrafona - futebol, corrupção e sexo -, há indivíduos citados na correspondência pirateada do Benfica há mais de um ano que nunca foram confrontados por jornalistas. E isto envergonha quem tenha sido educado numa cultura de contraditório e tenha lido jornais do século passado.

Cabe à imprensa ir ao encontro de todos aqueles agentes, a maioria silenciosa do futebol, que têm de posicionar-se, a bem da transparência da indústria e da verdade desportiva. Não por uma questão de justiça, a qual há-de fazer o seu trajecto autónomo, mas por necessidade de reconhecimento e esclarecimento de uma opinião pública por ora dividida, de forma doentia, como água e azeite.

Pinto da Costa falou, os outros estão agora “autorizados” a falar também.

Um jornal online noticia que o arguido Paulo Gonçalves sugeriu ao presidente da Liga, na altura, Mário Figueiredo, dois nomes para desempenharem a função de delegados em determinado jogo do Benfica, a final da Taça da Liga de 2013-14.

Pela primeira vez, ao fim de triliões de emails, vejo chegar à frontpage da imprensa desportiva um caso concreto com eventual influência no decorrer de uma competição, ainda que sem correspondência a notícias de corrupção activa nem passiva. Ainda não é um árbitro comprado, ainda não existe denúncia de subornos aos indivíduos citados, mas dois delegados ao jogo já representam qualquer coisa de palpável a justificar um “inbestigue-se”.

Quando começo a ler a notícia parto do principio que a sugestão do ex-assessor jurídico do Benfica foi bem acolhida e que o escândalo ocorreu.

Estou admirado por não ser manchete da publicação, situando-se no scroll abaixo da expulsão de Cristiano Ronaldo, das negociações do Sporting com Gelson e Patrício e até de um protesto de um jogador de uma equipa sub-23 às parvoíces de Cristina Ferreira.

No segundo parágrafo, ainda leio informação significativa, quase diria comprometedora, sobre a resposta do presidente da Liga, da altura, a dizer que tomou a “devida nota” do pedido.

Salto a publicidade, carrego no botão “continuar a ler” e chego ao terceiro parágrafo, onde há um “refira-se que” a lembrar que os delegados realmente de serviço nesse jogo foram outros dois e nenhum dos sugeridos pelo ex-assessor benfiquista no seu email criminoso.

A sério?

Aqui ao lado, alguém me diz que Paulo Gonçalves comunicava por código e que os dois nomes que referiu não correspondiam aos próprios, mas sim aos que foram efectivamente nomeados pela Liga.

No entanto, o jornal omite este pormenor e acaba por passar a ideia contrária, de que na realidade a Liga escarnecia das sugestões do Benfica e que o “tomei a devida nota” do então presidente era também uma frase em código, correspondente a “Arquivo Geral”, vulgo lixo.

20 Set, 2018

Renato e James

Estou a ver Renato Sanches marcar um golo pelo Bayern no estádio José Alvalade ao Sporting e James Rodriguez ser substituído na equipa alemã num jogo no estádio Dragão frente ao FC Porto. Certamente, o jovem ex-jogador do Benfica seria apupado e insultado e o colombiano receberia uma estrondosa ovação.

O que aconteceu ontem no estádio da Luz, com a calorosa recepção a Sanches e o xinfrim da despedida de James, não teve nada de extraordinário, agora que se desenvolveu este sentimento de pertença eterna dos jogadores que foram “nossos” e que se tornaram emigrantes de sucesso.

Com sensivelmente a mesma idade de Renato, no mesmo local, mas com a camisola do Manchester United, Cristiano Ronaldo mostrou o dedo do meio aos adeptos que tinham sido “pouco simpáticos”, mas nos 13 anos seguintes, sobretudo quando lá actuou com a camisola de Portugal, foi acarinhado e aplaudido sem reservas.

Tenho agora curiosidade em ver Rui Patrício e William Carvalho regressarem ao estádio do Sporting, seja por outro clube seja pela selecção nacional e acredito, pelo mesmo sentido de posse, que, no fim, prevalecerão o bom senso e a identidade.

As reações dos adeptos, sobretudo quando em massa, são irracionais e sempre exageradas, para o bem ou para o mal, consoante o estado de espírito e as condições ambientais. Por exemplo, tenho a certeza de que muitos benfiquistas que ontem insultaram James Rodriguez não hesitariam em pedir-lhe um autógrafo se o encontrassem por acaso na rua ou em território neutro, desde que não se estivessem em grupo, evidentemente. Penso o mesmo sobre os que há pouco tempo desconsideravam Renato Sanches pela cor da pele e pelo porte atlético adulto.

Uma bancada de estádio é um mosaico social onde cabem todos. Os que só insultam o árbitro, os que só insultam o árbitro e os adversários e os que insultam toda a gente: é o muro da lapidação dos nossos tempos, onde todos são livres de atirar pedras. É, como diria o filósofo, isto mesmo, o futebol.

Três semanas depois de ter faltado com enorme estrondo à entrega de prémios da UEFA, que o humilhava com um segundo lugar atrás do croata Luka Modric, Cristiano Ronaldo sofreu esta noite uma expulsão absurda em Valência, a primeira em 154 jogos na Champions League, que transformou a raiva contida de Agosto em choro convulsivo.

Quem acredita em conspirações não deixará de pensar que se tratou de uma cruel vingança da UEFA e já saltou a terreiro uma porta-voz da família a gritar que (eles) “querem destrui-lo”.

Eu não relaciono directamente uma situação com a outra, relevando o prestígio e experiência do árbitro envolvido, o alemão Brych, mas acho que vai ser interessante acompanhar os próximos tempos desta relação, sobretudo se voltar a aparecer em palco o agente Jorge Mendes, cujas declarações após o sorteio do Monaco em nada ajudaram a posição do jogador perante a organização.

Depois, Cristiano optou por não prestigiar o arranque na nova prova da UEFA, a Liga das Nações, preferindo ficar em Turim a preparar-se para a estreia na Champions League pela Juventus, mas os planos sairam-lhe completamente furados, arriscando agora uma suspensão de duas jornadas, o habitual para um primeiro cartão vermelho directo, ou mesmo três por se tratar de jogada sem bola.

É evidente que se degradou perigosamente a relação do capitão da selecção campeã da Europa com a UEFA e, se o objectivo prioritário é conduzir a Juventus a ganhar a Champions, Cristiano tem de arrepiar caminho.

O que o ajudou muito nas conquistas internacionais pelo Real Madrid foi o apoio popular a nível europeu, com atitude sempre positiva, construindo uma imagem simpática e sociável, em contraponto com a ausência e falta de carisma de Lionel Messi fora das quatro linhas. Em teoria, com a camisola do clube espanhol, Cristiano não seria expulso por uma falta destas.

Um ambiente completamente virado do avesso poderia agora desviar-lhe a concentração.

Cristiano já deu mostras noutras ocasiões de ser capaz de dar um passo atrás, perante os acidentes de percurso, antes de retomar o seu caminho vitorioso. Se não se deixar tomar pela emoção e pela raiva e se for bem protegido pela Juventus, com Jorge Mendes reduzido ao seu papel de bastidores, tudo deverá voltar ao seu lugar. 

O inverso seria uma perigosa espiral de animosidade e deterioração da imagem pessoal, que não deixaria de ser alimentada e ampliada pelos meios de comunicação espanhóis, a qual surgiria numa fase irreversível da carreira, aos 33 anos.

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