Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

J Q M

Fui jornalista, estive em todo o tipo de competições desportivas ao longo de mais de 30 anos e realizei o sonho de participar nos Jogos Olímpicos. Agora, continuo a observar o Desporto e conto histórias.

A UEFA adiou por mais um ano a introdução do VAR nas suas provas continentais, de clubes e selecções. O presidente Aleksander Ceferin vai engelhando o nariz, levantando objecções vagas, mas dá para perceber que o problema não é propriamente a solução do árbitro de vídeo, mas sim a falta de confiança numa implementação tecnológica regular e igual em todo o território europeu. 

Se as comunicações podem falhar entre Lisboa e o estádio do Dragão, imagine-se a complicação que não será a manutenção de um sinal claro e estável com cidades e estádios mais “exóticos” na imensa Europa futebolística.

A realidade da UEFA exige algo muito diferente do sistema que está a ser introduzido nos vários países e que teve êxito no último Mundial, com poucos jogos em simultâneo e numa dimensão territorial pequena. O campeonato da FIFA, na Rússia, terá sido o que levantou maiores problemas em termos de amplitude territorial e distância dos estádios relativamente à sede do VAR, depois da liga norte-americana MLS, cujo centro VAR está instalado num local central, no Illinois, relativamente equidistante num país com quatro fusos horários.

Em todo o caso, a grande vantagem de todas as provas em que o VAR foi lançado é a da reduzida simultaneidade de jogos, que facilita a gestão dos recursos nesta fase inicial.

Pelo contrário, esse é o grande problema da UEFA: oito jogos por dia na Liga dos Campeões, 24 na Liga Europa, uma dezena ou mais também nos dias das selecções, de Lisboa a Baku, de Reyjavique a Tel Aviv, sem esquecer as disparidades económicas e logísticas entre os países da Europa ocidental e os outros. Um quebra-cabeças.

Se o video-replay não pode ser considerado como uma inovação em lado nenhum, há países ainda muito atrasados em matéria de tecnologias de informação e na eficácia e estabilidade do hardware.

E assim já se percebem melhor as hesitações de Ceferin, o qual, todavia, acaba de se comprometer com a estreia do VAR na Supertaça de 2019, em Agosto, no estádio do Besiktas de Istanbul, sem colocar de lado a possibilidade de ser na final da Liga dos Campeões, em Maio, em Madrid.

Renato Sanches foi chamado à selecção nacional por Fernando Santos, mas o fenómeno passou ao lado da conferência de imprensa do treinador. Aparentemente, toda a gente achou normal.

O jovem Renato, ainda elegível para a selecção de sub-21, também foi hoje confirmado no plantel do Bayern de Munique para os próximos meses, mas não participou em nenhum jogo oficial esta temporada, em que a equipa alemã já se apresentou em três competições diferentes, Supertaça, Taça e Campeonato.

Renato Sanches jogou 70 minutos no dia 21 de Julho frente ao Paris SG, tendo marcado um golo de livre, e mais 45 no dia 26 de Julho contra a Juventus, nas duas primeiras partidas da International Champions Cup. Não é visto em jogo há 36 dias.

Cristiano Ronaldo foi o único premiado que não apareceu nem mandou representante à entrega dos prémio da UEFA. Deve ser cansativo, ano após ano, passar por aquele cerimonial, ter de ir ao Monaco, ouvir elogios, apertar mãos, rever Florentino, jantar haute cuisine, levar para casa um troféu pesado.

Passou pelo Forum Grimaldi uma brisa gelada quando se percebeu que o melhor avançado da época não estava presente, nem mandara mensagem de video, como fizeram outros dois premiados ausentes. E foi ostensiva a atitude da apresentadora inglesa, ao sentar-se na cadeira vazia, ao lado dos outros dois nomeados, Modric e Salah.

Sabe-se que Cristiano está focado totalmente na rápida adaptação à Juventus e não tem tempo a perder, mas Turim fica bem mais perto do Monaco do que Madrid ou Manchester.

Parece haver aqui uma posição, indecifrável para já, com a agravante do desdém manifestado pela nova competição da UEFA, a Liga das Nações, a confirmar-se que pediu para não disputar o jogo inaugural com a Itália, passando até por cima do facto de ela ter sido concebida com muito importante contributo da Federação Portuguesa de Futebol.

Mais tarde, o seu agente veio declarar que é uma vergonha Cristiano não ter ganho o prémio principal, atribuído a Modric. Ou seja, ao não comparecer, perdeu uma grande oportunidade de afirmar a sua proverbial humildade.
 
30 Ago, 2018

O guarda suíço 

O nome bósnio Haris, palavra de origem árabe que, segundo a wikipedia, significa guardião, podia ser o do quarto mosqueteiro, pela sonoridade compatível com Porthos, Athos e Aramis, o D’Artagnan que me perdoe. Porque, afinal, os famosos 3 pontas-de-lança do Benfica também são 4, como os guardas do Rei: Jonas, Ferreyra, Castillo e… Seferovic.

O treinador diz que o avançado suíço segura bem a bola em zonas “altas”. Ao fim de mais de um ano, fica explicado o motivo da contratação de Seferovic, com uma longa carreira de poucos golos, mas poderoso fisicamente e trabalhador em campo, uma espécie de guarda avançado de robusta constituição física mas sem armas sofisticadas, como os autênticos guardas suíços mercenários que prestam serviço nos portões do Vaticano.

Sempre em guarda, foi na porta central do castelo encarnado em Salónica que ele cometeu a falta defensiva de que resultou o golo do PAOK.

No entanto, esta foi uma missão nova, uma vez que normalmente era chamado em situações aflitivas com o Benfica à procura de um golo em apuro de tempo - o que ele logrou duas ou três vezes na época passada, mas está longe de ser a sua especialidade.

O registo curricular com os seus 4 ou 5 golos da praxe, por cada época, é claro na identificação das suas características.  É um avançado de poucas finalizações e poucos golos, muito mais útil a uma equipa de segunda ordem, inclusive a nível internacional no contributo para a melhor fase da selecção da Suíça em mais de 50 anos,.

Ver-se-á em breve se esta “fantástica exibição” em Salónica lhe vai permitir jogar mais vezes pelo Benfica - não estando os três mosqueteiros impedidos, por lesão ou outro motivo. Os objectivos do clube não se compadecem da baixa produtividade dos dianteiros, muito pelo contrário, e em muitos poucos jogos precisará de incumbir o seu único avançado de funções prioritariamente defensivas.

Parece que foi Rui Vitória a opor-se à dispensa de Seferovic há duas ou três semanas, quando a equipa já se debatia com um problema de eficácia, e na Grécia, contra todas as previsões, fabricou a primeira goleada da época com o avançado menos realizador. Os golos do Benfica surgem nos pés e cabeças de médios e defesas, o que nada tem de errado, mas nunca pode ser tomado como uma garantia de futuro: não dispor de um avançado goleador é caminho para uma crise de resultados.

Don Jose Mourinho a erguer o seu tridente de títulos frente à matilha de repórteres lembra Don Quixote a levantar a lança contra o moinho de vento, sendo que La Mancha, neste caso, é a sequência bem real de derrotas na Liga Inglesa.

O discurso fantasioso, a linguagem corporal desafiadora para uma batalha que só existe na cabeça dele e o ambiente de dúvida que se instalou em Old Trafford remetem para as aventuras inglórias do Cavaleiro da Triste Figura, de Cervantes. Com uma diferença: não há maneira de minorar o estrago com os conselhos do seu Sancho Pança, o fiel escudeiro Rui Faria que tanta influência teve nas conquistas de outros tempos e decidiu seguir outro caminho.

Mourinho lembrou que tem mais títulos sozinho do que todos os outros treinadores juntos, uma meia falácia só possível pelos abandonos de Arsène Wenger e António Conte há poucos meses.

Também recordou que os adeptos o aplaudiram, sugerindo que estão satisfeitos com o seu trabalho. E foi absolutamente quixotesco naquela alusão a uma superioridade sobre o Tottenham, acabando a pedir a um jornalista que se decidisse sobre o seu dilema: obter resultado ou jogar bem?

Para este Manchester United, ganhar e jogar bem seria como derrubar um moinho e conquistar Dulcinea - um desejo irrealista nesta guerra e um amor apenas platónico.

É o próprio inventor do “resultadismo” a trazer agora à colação um tema que o persegue desde que deixou o FC Porto, talvez a única equipa em que conseguiu juntar a eficácia à qualidade de jogo, com os jogadores mais baratos que alguma vez teve às ordens.

Compreensivelmente, sempre que foi subindo o padrão de exigência e a factura das contratações, baixou o nível de jogo, em função dos resultados. Em pouco mais de dois anos em Manchester, já gastou 432 milhões de euros em apenas nove jogadores, menos 170 milhões do que o “caballero" inimigo, Pep Guardiola, do outro lado da cidade. Como se 170 milhões fizessem a diferença para um título e, sobretudo, para um grande futebol, a diferença entre o Russo, bem realista, que vagueia meio perdido por Old Trafford e o garboso Rocinante, das fantásticas vitórias do nosso herói.

Quando um adolescente chega à equipa principal de um grande clube, a certeza é de se estar perante um predestinado, um “fora de série”, como se dizia nos tempos do futebol analógico. O golo de João Felix frente ao Sporting entrou na galeria das raridades, pois há mais de 40 anos, era Fernando Chalana o fenómeno, que ninguém o conseguia.

Felix é o mais recente produto da excepcional colheita de 2018 a bater à porta do futebol profissional de mais alto nível, depois dos colegas Rúben Dias e Gedson Fernandes e dos rivais Jovane Cabral e Diogo Leite. Alguns deles não poderão deixar de aparecer na primeira convocatória da selecção nacional tendo em vista o ciclo do Europeu de 2020 e a nova Taça das Nações da UEFA.

O treinador do Benfica diz que a qualidade se impõe ao bilhete de identidade, pelo que João Felix deve ser considerado neste momento o primeiro avançado de um plantel com défice inesperado de finalizadores e teria de aparecer como titular na Toumba de Salónica. Pelo histórico do jovem jogador perante os desafios que lhe foram colocados nos últimos anos, nem seria arriscado prever que dentro de algum tempo o Benfica fosse Felix + 10. Pelo menos, não terá de nascer mais nenhuma vez nem tentar a sorte como lateral esquerdo.

Não considero que a pressa seja inimiga da afirmação, mas a precocidade de qualquer pessoa exige acompanhamento especial, que a mantenha na linha do sucesso.

Renato Sanches não foi o primeiro teenager a chegar ao topo e a cair com estrondo por falta de protecção e de um plano de vida. Os maus exemplos devem servir para correcções de trajecto e banhos de humildade, porque os jogadores querem-se para 20 anos e não para uma fugaz espiral de desenganos.

26 Ago, 2018

O azar do VAR

A Altice e a Federação Portuguesa de Futebol garantem que as comunicações que sustentam o funcionamento do VAR na Liga portuguesa foram quase infalíveis durante 35 mil minutos e “só falharam” duas vezes, num Aves-Benfica da primeira época e no Porto-Guimarães de ontem.

Apenas duas falhas e, logo, em jogos de candidato ao título. Ainda por cima, com Pizzi a simular um pênalti no primeiro e André Pereira a marcar em fora-de-jogo no segundo. É muito azar.

Um conceito baseado em tecnologias de informação a borregar por falta de comunicação é o cúmulo do azar.

Se um cliente prioritário é tratado desta forma, como não hão-de os cidadãos comuns conviver diariamente com os blackouts, os cortes e as faltas de cobertura enquanto “azares” que tocam a todos?

Daí que esta garantia de que a coisa funciona na perfeição e só falha de vez em quando seja completamente descabida. Em vez de pedirem desculpa e explicarem muito bem a razão destas interrupções do serviço, Altice e FPF vieram enaltecer o tempo em que funcionam normalmente, sem contudo remeterem para qualquer auditoria independente.

O caso do golo de André Pereira só acontece porque o fiscal-de-linha tem instruções para, na dúvida, não assinalar fora-de-jogo e esperar pela avaliação do VAR. Se este está offline, o fiscal-de-linha transforma-se num trapezista sem rede, literalmente, e põe em perigo a verdade desportiva, completamente à mercê da lei de Murphy.

Um projecto assente na infalibilidade e rigor das “novas tecnologias” não pode estar sujeito ao iminente falhanço delas, o que realmente acontece por manifesta precipitação na sua complexa execução, sem período de testes offline compatível com o resultado pretendido, tantas são as desigualdades de meios logísticos, técnicos e humanos em cada clube e estádio.

Este caso do Porto-Guimarães só foi conhecido publicamente por oportuna diligência de Pedro Sousa, na TVI24, pois no estádio e na transmissão televisiva ninguém foi informado de que o VAR estava com azar. A falta de informação simultânea é outra insuficiência gritante deste projecto, que devia distinguir-se dos velhos modelos opacos da arbitragem precisamente pela transparência da comunicação.

Rui Patrício, Piccini, Mathieu, Fábio Coentrão, William Carvalho, Gelson Martins, Bryan Ruiz e Bas Dost foram oito dos 11 jogadores do Sporting que enfrentaram o Benfica em Maio, empatando sem golos no José Alvalade.

Como teria dormido Jorge Jesus na véspera desse encontro importante, em que estava em jogo o segundo lugar na Liga e a possibilidade de acesso à Champions League, se estivesse privado de utilizá-los?

Por esta amostra dá para perceber a altura da montanha que José Peseiro está a escalar. Muitos adeptos criticam que, em particular no final dos jogos, a atitude seja de equipa pequena. Mais um trinco para segurar a vitória tangencial sobre o Vitória, mais um defesa para agarrar o empate na Luz - mas o realismo do treinador é uma das suas virtudes, nesta fase.

Em particular no sector defensivo, o Sporting apresentou-se na Luz extremamente depauperado, mantendo apenas Coates: do guarda-redes ao médio defensivo, todos os recursos à disposição do treinador são de nível inferior e, nalguns casos, até muito inferior ao dos tempos de Jorge Jesus.

Por isso, é tão importante este empate para a continuação do meticuloso trabalho laboratorial de José Peseiro, na busca de um antídoto contra tudo o que muitos adeptos do clube pensam dele, desde 2005, e que se resume na fórmula P+0 (pê zero), uma espécie de vírus do pé frio que se traduz na incapacidade de alcançar triunfos em situações favoráveis. 

Nada garante que o panorama ainda possa melhorar, mas é já certo que no dia 9 de Setembro o treinador ribatejano vai entregar aos novos dirigentes uma equipa muito mais forte do que aquela que encontrou. Sem exibicionismo nem golpes de mestria e, sobretudo, por um preço de saldo.

Se fosse boxe, Rui Vitória estaria ainda de pé ao fim dos primeiros seis assaltos dos sete que constituem o combate mais importante do ano. Depois de mais uma ida ao tapete com contagem de protecção frente a um adversário muito debilitado, como o Sporting, o Benfica ainda vai com força e vontade para a batalha de Salónica. Mas está a perder aos pontos e tem de tomar a iniciativa de atacar um adversário, notoriamente mais fraco do ponto de vista técnico, táctico e, até físico, sem esquecer o do talento, mas muito manhoso.

Por vezes, Rui Vitória transmite a ideia de ser demasiado ingénuo para um cargo tão escrutinado como é o de treinador do Benfica. Noutras, deixa perceber que não entende a plenitude do jogo, quando este lhe exige medidas diferentes das que planeou no seu gabinete ao longo da semana. E passa, quase sempre, um discurso confuso e pouco objectivo, no tom, na forma e no conteúdo, com subentendidos e alusões mais ou menos vagas que não atrasam nem adiantam.

Na verdade, é uma questão de carisma. Ou se tem e tudo corre sobre rodas, mesmo nos momentos de insucesso, ou não se tem e se enfrenta a vida com cara de pau, lutando contra os elementos, sempre na iminência de ser levado nalguma enxurrada.

Ouvir os comentários sobre José Mourinho nas televisões portuguesas, por exemplo, ajuda-nos a perceber bem a diferença entre ter carisma e não ter. Quando perde, é obviamente por causa dos erros individuais dos jogadores. Quando empata, vê-se bem que a equipa não assimilou as suas directrizes. Quando ganha, bem, quando ganha é brilhante como sempre.

Agora vejamos Rui Vitória: se perde é um azelha, se empata não tem liderança para fazer a diferença, se ganha não faz mais do que a obrigação.

 

Parece que estou a ouvir Rui Vitória na cabina do Benfica antes do jogo (e também ao intervalo): “cruzem, cruzem muito, da esquerda, da direita, de trás, de frente, cruzem que está lá o Ferreyra”.

E eles assim fizeram: André Almeida cruzou oito, Grimaldo cruzou seis, Zivkovic cruzou quatro, Cervi cruzou outras quatro e, até, Seferovic, promovido a extremo-esquerdo, cruzou mais duas.

Ao todo, dos pés de estes cinco jogadores que atuaram nos flancos do ataque do Benfica frente ao PAOK sairam 24 centros para a frente da baliza. Podemos juntar-lhes ainda mais alguns feitos por outros colegas, para um total de 31 cruzamentos, dos quais tiveram sequência e foram aproveitados apenas quatro, três deles por André Almeida em bolas paradas.

O bom do Ferreyra, cujo valor individual não pode ser questionado, só ganhou três duelos na grande área e fez dois remates, um a seguir ao intervalo, outro no final da partida. No reto do tempo, andou perdido e isolado a olhar para o ar, sem saber como chegar à bola.

O Benfica tem no Seixal um célebre laboratório de análise que deve dissecar estes dados muito melhor que eu. Portanto, é de esperar que, após este jogo, Rui Vitória altere profundamente o método de finalização preconizado para uma equipa que joga muito bem até 30 metros da baliza. Os mesmos 30 metros que José Maria Pedroto dizia faltarem ao futebol português… há 40 anos.

 

Pág. 1/2